Bangalore, Índia, 27/6/2012 – Em um país como a Índia, com desastrosos antecedentes em matéria de microfinanças, uma organização religiosa recebeu o prêmio Ashden 2012 pelas iniciativas para estender empréstimos a agricultores pobres. O prêmio, que consiste no equivalente a US$ 62.238, é concedido a iniciativas energéticas sustentáveis na Grã-Bretanha e no mundo em desenvolvimento. É concedido pelo The Ashden Trust, administrado pela família Sainsbury, fundadora de uma cadeia de supermercados e outras empresas.
O sucesso da organização premiada, Projeto de Desenvolvimento Rural Shri Kshethra Dharmasthala, se deve ao fato de também administrar o antigo e luxuoso templo da localidade de Dharmasthala, no Estado indiano de Karnataka. O principal sacerdote do templo, Veerendra Heggade, que também está à frente do projeto, é reverenciado tanto pelos devotos quanto pelos solicitantes de créditos. “É esta reverência que os leva a pagar os empréstimos que fazem”, explicou o diretor executivo do projeto, L. H. Manjunath. A organização é secular, e dela participam muitos muçulmanos e cristãos, explicou, acrescentando que “Manjunath é símbolo dos pobres, não apenas dos hindus”.
As operações de microfinanças do projeto começaram em 2000, e atualmente faturam US$ 800 milhões. Cerca de 1,8 milhão de famílias de cinco mil aldeias de Karnataka estão cobertas mediante um sistema descentralizado, administrado por uma equipe de aproximadamente sete mil pessoas. Manjunath, que antes esteve à frente de um banco comercial, contou que o projeto percebeu que fazer beneficência não levava melhorias à vida das pessoas. “Então, em 1990, mudamos nossa política e começamos a estender pequenos empréstimos para propostas específicas sobre sustento e desenvolvimento”, afirmou. O Projeto de Desenvolvimento Rural Shri Kshethra Dharmasthala começou formando pequenos “grupos de responsabilidade solidária” de cinco agricultores cada um.
Foi orquestrado um sistema rotativo no qual cada membro trabalhava um dia grátis na terra de outro. “Isto impulsionou o desenvolvimento”, pontuou Manjunath. Também convenceu-se os agricultores a economizarem 20 centavos por semana, destinados a um fundo comum. Em 1995, a organização havia começado a integrar grupos de autoajuda de mulheres. Atualmente, dois terços de sua clientela são mulheres. Um grupo com mais de 4,5 mil jovens camponeses faz parte da rede do projeto, que se estende por 16 distritos de Karnataka, e avalia os pedidos de empréstimos, guia o pagamento dos mesmos e mantém contatos com os clientes.
Heggade é o fiador de empréstimos solicitados em bancos nacionais, que o projeto estende aos clientes, mantendo uma margem de ganho de 4%, e seu prestígio é útil para negociar os melhores juros. Em determinado caso, um importante banco nacional fez um empréstimo com taxa de juros de 6,9%, quando o habitual era de, aproximadamente, 12%.O Projeto de Desenvolvimento Rural empresta a uma taxa entre 9% e 18%, mas tanto seus juros como seus prazos de pagamento são flexíveis. Aproximadamente 20 mil empréstimos foram destinados a sistemas renováveis para atender necessidades de iluminação e combustível, beneficiando cerca de 82,5 mil pessoas.
Antes de receber o primeiro cheque, o cliente deve, obrigatoriamente, depositar em uma conta bancária o equivalente a dois meses de pagamento como garantia. “Nosso ponto forte é criar a capacidade de pagamento de quem solicita um empréstimo”, disse Manjunath. O sucesso do projeto contrasta com os antecedentes dos prestamistas na Índia, principalmente agricultores de áreas rurais que caem na armadilha das dívidas e se suicidam em bandos.
“O microcrédito não pode aliviar realmente a pobreza”, disse Aloysius Fernández, pioneiro das microfinanças na Índia e ex-diretor da organização não governamental Myrada. Fernández, agora chefe de serviços financeiros no governamental Banco Nacional para a Agricultura e o Desenvolvimento Rural, disse que estender créditos aos pobres e extrair capital do “fundo da pirâmide” é um caminho equivocado. “Vi isto funcionar onde há serviços de apoio, mas não de outro modo”, ressaltou.
“O sistema bancário nacional, com suas medidas padrão para empréstimos, não pode ser aplicado a comunidades pobres, que necessitam” que sejam adaptadas a elas, acrescentou Fernández. “Se me perguntarem se a agricultura melhorou graças ao microcrédito, direi que sim, mas não vi aliviar a pobreza”, opinou Fernández. A Índia é um país predominantemente agrícola. Mais de 70% de seus 1,2 bilhão de habitantes ganham o sustento mediante essa atividade.
“A pergunta é se uma organização não governamental deveria funcionar como uma instituição bancária ou estar tirando da pobreza a população rural”, questionou Somnath Naik, do Nagarika Seva Trust, que trabalha na região. Manjunath respondeu que os microcréditos do Projeto de Desenvolvimento Rural têm êxito graças às medidas de geração de capacidade e ao apoio que isso traz consigo. O principal banco de reservas da Índia destacou a exclusão dos serviços bancários que sofre o setor rural, e incentivou os agentes rurais a superarem esta brecha no desenvolvimento dessas populações. “Estamos de acordo com esta política”, disse Manjunath. Envolverde/IPS