São Domingo, República Dominicana, 27/6/2012 – “Moça, a pobreza não tem lástimas”. O homem só disse isso, negando-se a ser fotografado e a dar seu nome. “Tomara que nos tirem daqui, para um lugar mais seguro”, completou sua mulher, olhando sem esperanças para o Rio Ozama, que quase lambe as portas da choça que mal os abriga, na capital dominicana. Alguns metros adiante, Josefa Moya é mais loquaz. “Tudo isto inunda quando chove muito e a água demora três dias para sair das casas. Vivo sozinha e faço todo o trabalho doméstico, não posso nem pensar em ir embora daqui”, contou à IPS. Algumas vizinhas que a rodeiam com seus filhos nos braços concordam com o olhar. Elas também não têm outras opções.
La Ciénaga é um dos muitos assentamentos que se espremem à margem do Rio Ozama, em Santo Domingo. José Sánchez, um improvisado guia que abre passagem para a IPS entre becos e estreitas passagens, contou que ali residem cerca de oito mil famílias. “Quando há um furacão ou chuvas fortes, o rio sobe e arrasta lixo de todo tipo. Penso que por isso este bairro inunda tanto”, opinou Sánchez. Pelas suas contas, nos últimos cinco anos, a situação piorou. “Após cada inundação dizem que vão nos tirar daqui, mas, aqui continuamos”, acrescentou.
Segundo fontes independentes, nas ribeiras dos rios Ozama e Isabela, os dois principais de Santo Domingo, moram cerca de 400 mil pessoas expostas a eventos hidrometeorológicos que se prevê ficarão mais intensos e devastadores do que o são agora. Em entrevista à IPS, o ministro de Meio Ambiente e Recursos Naturais da República Dominicana, Ernesto Reyna, confirmou que um dos “fortes desafios” do país em matéria de adaptação à mudança climática aponta justamente para esse setor empobrecido da população, extremamente vulnerável a eventos como furacões ou chuvas intensas.
Reyna explicou que estas famílias se assentam nas bacias médias, onde por longos períodos de seca há uma queda do caudal dos rios. “Veem nessas áreas um local para erguer sua casa e inclusive ter alguma produção agrícola. Acreditam que não haverá inconvenientes em se estabelecerem nesses lugares”, observou. “Mas é assim até que vem uma tempestade, não necessariamente um furacão, mas um período de chuvas intensas que, associada ao desmatamento ou a mau manejo nas bacias, produzem grandes correntes de água e, rapidamente e com força devastadora, acabam com tudo que há em seu caminho”, ressaltou.
Em 1998, o furacão George custou à República Dominicana a morte de 235 pessoas e prejuízos materiais estimados oficialmente em US$ 146 milhões. Em outubro de 2007, a tempestade Noel deixou perdas econômicas no valor de US$ 439 milhões (na época equivalente a 1,2% do PIB), 87 mortos e 42 desaparecidos. Recuperar-se de tais desastres é muito difícil, apontou Reyna. “A desgraça de nossos povos (da região) é que, quando estão se recuperando de uma situação econômica difícil, vem um furacão e leva todas as economias. Então, nunca poderemos sair desta situação de pobreza que afeta nossas maiorias”, enfatizou.
Dados do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostram que 43 em cada cem dominicanos eram pobres e 16 eram indigentes no final de 2004. Esses indicadores caíram seis anos depois para 34% e 10,4%, respectivamente, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). As previsões sobre o impacto da mudança climática não são nada animadoras em relação à República Dominicana, com 9,5 milhões de habitantes e que compartilha a Ilha La Espanhola com o Haiti, o país mais pobre da América Latina e do Caribe. Segundo Reyna, seu país poderia perder cerca de um quinto de seu território devido ao previsível aumento do nível do mar.
“Vivo aqui há 17 anos e posso dizer que nos últimos cinco tivemos chuvas mais intensas e, em consequência, mais cheias do rio. Já se sabe que a causa é a mudança climática”, disse à IPS a presidente da Junta de Moradores de La Barquita de Los Mina, Eridania Rosario Marcelo. Esta comunidade, também às margens do Ozama, pediu várias vezes a limpeza do rio para evitar que transborde. “Estamos cansados de pedir, mas não nos ouvem. Se esta parte do rio fosse dragada para tirar o lixo, o perigo diminuiria”, assegurou. Com o início da temporada de furacões, que vai deste mês até novembro, os moradores aumentam suas precauções, vigiam as águas do Ozama para prever se sobem e preparam lonas para fazer “uma casinha” na parte alta da ponte como abrigo de emergência. “Vivemos em risco permanente”, descreveu.
Já o vice-presidente do Conselho Nacional para a Mudança Climática e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, Omar Ramírez, afirmou à IPS que “70% das cidades dominicanas estão às margens de um curso fluvial. Há uma proliferação de assentamentos urbanos em condições de extrema pobreza nessas áreas”, admitiu. Nesse sentido, Ramírez considera fundamental o “mandato” para um ordenamento territorial de acordo com as necessidades de adaptação à mudança climática que consta do Artigo 194 da Constituição desde 2010.
O tema também integra o plano estratégico para enfrentar as transformações climáticas. “O planejamento territorial é um assunto difícil e complexo, mas não impossível. Pode-se construir mediante alianças sociais”, pontuou Ramírez. O Conselho para a Mudança Climática foi criado em setembro de 2008 com a missão de articular e coordenar as instituições do país para mitigar e adaptar-se aos riscos ambientais de caráter global. Envolverde/IPS