Comissão da Verdade na USP pedirá reforma do regimento disciplinar

Justiça já anulou ao menos dois pedidos de expulsão de alunos que participaram de ocupações em espaços da universidade.

O Regimento Disciplinar da Universidade de São Paulo (USP), documento que regulamenta os códigos de conduta e convivência no campus foi instituído em 1972 . Vigora, portanto, há 40 anos, época em que o país ainda estava sob o regime militar.

É de acordo com este instrumento que estudantes e funcionários são julgados em sindicâncias internas da universidade. Um dos casos recentes de maior repercussão foi a ocupação do Coseas (Coordenadoria de Assistência Social), em 2010.

No ano seguinte, seis alunos foram expulsos da universidade. Pelo menos dois contestaram e tiveram a decisão anulada pela Justiça. Procurada, a Reitoria declarou que recorrerá da decisão.

Além disso, novos processos estão atualmente em andamento, desta vez por conta da ocupação da reitoria e da Moradia Retomada – parte do Crusp, a moradia estudantil dentro da Cidade Universitária, em São Paulo –, ocorridos entre 2011 e 2012.

Em entrevista ao Portal Aprendiz, a assessoria de imprensa da Reitoria alega que “as sanções disciplinares estão previstas no Estatuto da Universidade, mas a possibilidade de punição administrativa não se fundamenta apenas nas regras da própria USP, e sim no direito administrativo brasileiro, que, por si só, é suficiente para embasar punição”.

Reformulação completa

De acordo com o professor de História Moderna da USP, Henrique Soares Carneiro, “o Regimento Disciplinar deveria ser completamente alterado”. Para ele, “não só houve repressão e arbítrio” na USP durante a ditadura militar, época em que o documento entrou em vigor, como “continua a haver um legado autoritário desse período”.

A Reitoria argumenta que, quando se discutiu e aprovou, em 1990, o regimento geral ora vigente, os representantes discentes preferiram manter os dispositivos disciplinares em vigor desde 1972. “Tal atitude fez com que esses dispositivos fossem ‘recepcionados’ pelo estatuto e regimento atuais, passando a ser parte deles”, informou.

O professor, no entanto, avança em suas reivindicações e pede um “amplo debate e uma revisão geral não só do regimento, como de toda a estrutura de poder, implementando a eleição direta e paritária para reitor e para todos os órgãos colegiados”.

De acordo com a reitoria, a mudança na estrutura de poder deve passar pelo crivo do Conselho Universitário. “Na sessão temática do Conselho Universitário, realizada na terça-feira (26/6), o tema foi amplamente discutido. Tal discussão deve ter continuidade em uma próxima sessão temática, prevista para agosto”, afirma.

Comissão da Verdade

Abaixo-assinado, pedindo a criação de uma Comissão da Verdade, será encaminhado ao Conselho Universitário da USP.

Em ato realizado no auditório da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) na noite do dia 12 de junho, cerca de 500 pessoas se reuniram em prol da criação de uma Comissão da Verdade na USP. Um abaixo-assinado será encaminhado ao Conselho Universitário da Universidade, pedindo a criação do órgão.

Além de investigar os crimes cometidos contra os membros da Universidade durante a ditadura militar, a Comissão também deverá sugerir reformas no Regimento Disciplinar da instituição.

A expectativa é que o resultado das apurações seja divulgado e encaminhado às Comissões da Verdade já existentes e ao Ministério Público. A respeito do assunto, a Reitoria até agora posicionou-se afirmando que “toda movimentação em busca da verdade, dentro e fora da Universidade, deve ser apoiada”.

Para o professor Carneiro, uma Comissão da Verdade interna forneceria subsídios históricos para se identificar e se compreender a origem do legado ditatorial, contribuindo para as reivindicações de modernização do Regimento.

Ele ressalta ainda que o uso da força bruta compromete o debate de ideias próprio à uma universidade. “Substituir a força dos argumentos pelo argumento da força contraria o espírito crítico, a vocação científica e a missão democrática da educação pública”, avalia.

Web

Para criar um canal de informação direto com a comunidade, os estudantes colocaram no ar dois blogs, além de um site para a Comissão da Verdade.

No blog Processados na USP estão artigos de professores, campanha no YouTube, vídeos com registros das ações policiais, links para as redes sociais e convocatórias para atos públicos. Já o Moradia Retomada traz carta dos moradores do Crusp, agenda de atividades, entre outras informações.

O site da Comissão da Verdade tem o manifesto do movimento, abaixo-assinado on-line, calendário de atividades, depoimentos e links para as redes sociais, além de um cuidadoso design de apresentação de todo o conteúdo.

* Com informações da Folha de S.Paulo e da Carta Capital.

** Publicado originalmente no site Portal Aprendiz.