Paraguai: Por trás da destituição do presidente Lugo

Jennifer McCoy

Atlanta, Estados Unidos, julho/2012 – Quando o presidente paraguaio Fernando Lugo foi destituído no dia 22 de junho, por meio de uma manobra relâmpago do Senado, o hemisfério ficou consternado, vários governos da região disseram que se tratou de um “golpe parlamentar” e se negaram a reconhecer o vice-presidente, Federico Franco, como novo titular do poder Executivo.

O episódio exemplifica o atual dilema das democracias da América Latina: neste século, vários presidentes foram depostos por meios aparentemente democráticos, como protestos sociais, julgamentos parlamentares ou sentenças do Supremo Tribunal, em lugar dos antigos golpes militares. Estes conflitos constitucionais entre diferentes ramos do Estado e entre governos legalmente eleitos e seus cidadãos representam, em certo sentido, um progresso democrático. Ao mesmo tempo, refletem a permanente luta dos pobres urbanos e rurais para compartilhar o poder com a elite dominante e o uso de mecanismos legais formais para impor uma visão política sobre a outra.

No caso paraguaio, depois de 60 anos de governo de um partido político (35 deles por um ditador), em 2008 os cidadãos elegeram um sacerdote independente sem um partido forte ou um movimento social que o apoiasse. Suas propostas para reformular uma muito desigual distribuição da terra, da qual uma fração da população possui 80%, foram bloqueadas por um parlamento controlado por dois partidos políticos que representam os interesses das elites latifundiárias.

Em um choque entre policiais e camponeses ocupantes de terras houve várias trágicas mortes dos dois lados. Enquanto em outros países, em caso de conflitos semelhantes pelos recursos naturais – sua distribuição, os projetos de mineração, o fracasso em proteger o meio ambiente – os questionados poderiam ser o chefe de polícia ou o ministro do Interior, no Paraguai os partidos tradicionais miraram mais alto e derrubaram Lugo mediante um julgamento parlamentar. Lugo teve menos de 24 horas para preparar sua defesa e foi destituído em apenas duas horas de sessão do Senado. A Organização dos Estados Americanos (OEA) e muitos governos de países vizinhos questionaram o modo como se processou Lugo, sem lhe dar um tempo razoável para se defender, e se negam a reconhecer o novo governo.

O uso de mecanismos constitucionais para realizar lutas pelo poder político certamente é um avanço sobre o uso da força. Entretanto, quando os processos constitucionais são usados de maneira duvidosa não fazem outra coisa a não ser prejudicar a credibilidade da democracia em toda a região.

Processos semelhantes de destituição foram utilizados na América Latina nas duas últimas décadas para remover de seus cargos presidentes impopulares. Em 1993, a oposição de amplos setores à política neoliberal de austeridade do presidente venezuelano Carlos Andrés Pérez, que se estendeu ao seu próprio partido, impôs a sua destituição por via parlamentar. No Equador, três presidentes impopulares por suas políticas econômicas foram removidos de seus cargos com questionáveis julgamentos políticos: Abdala Bucaram, em 1997, acusado de “incompetência mental”, embora nunca tenha se submetido a um exame psiquiátrico; Jamil Mahuad, em 2000, sob a acusação de “abandono do cargo”, após ter sido retirado de seus escritórios por uma junta civil-militar, e Lucio Gutiérrez, em 2005, com acusações semelhantes de abandono do cargo embora estivesse no próprio palácio presidencial. Em 2009, o Congresso destituiu o presidente de Honduras Manuel Zelaya depois de ter sido expulso do país pelos militares que agiram sob uma ordem secreta do Supremo Tribunal.

Subjacente em muitos dos conflitos constitucionais na América Latina estão os desacordos fundamentais sobre como, e se é necessário, conseguir uma distribuição mais equitativa dos recursos nacionais enquanto se promove o crescimento econômico.

No Paraguai, como em Honduras, houve pouquíssimas mudanças na muito injusta distribuição da terra por mais de duas décadas de democracia. Quando os pobres urbanos e rurais começaram a fazer valer seu voto e a protestar pedindo mudanças e ganharam um paladino na Presidência, era inevitável que ocorressem problemas.

Os conflitos se emaranharam com disputas legais entre os poderes do Estado, que utilizaram suas prerrogativas constitucionais para defender os interesses que representavam. Enquanto os interesses da elite dominante ganharam a batalha constitucional no Paraguai e em Honduras e destituíram os presidentes que mediavam a favor dos pobres, em outras situações grupos indígenas e sociais puderam derrotar líderes com políticas econômicas conservadoras, com nos vários casos de destituições no Equador e na Bolívia.

Enquanto as sociedades latino-americanas não forem capazes de reformular o pacto social fundamental por meio de reformas fiscais e consenso sobre as políticas de redistribuição e crescimento, para reduzir as desigualdades econômicas nesta região, considerada a mais injusta do mundo, os países continuarão sofrendo volatilidade política inclusive nestes tempos de democracia constitucional. Envolverde/IPS

* Jennifer McCoy dirige o Programa das Américas do Carter Center e é professora de ciências políticas na Universidade do Estado da Geórgia, nos Estados Unidos.