Produtos culturais, como os romances, podem auxiliar na compreensão dos estudantes nas aulas de Física Moderna. Estas obras podem preencher uma lacuna apontada por diversos pesquisadores, que avaliam como insuficiente ou incorreto o conteúdo sobre o tema disponível em livros didáticos, descreve o pesquisador Emerson Ferreira Gomes.
No Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências da USP, o professor apresentou sua dissertação de mestrado O Romance e a Teoria da Relatividade: a interface entre Literatura e Ciência no Ensino da Física através da análise do discurso e da estrutura da ficção. Gomes, que é professor no ensino básico, chegou a utilizar contos e filmes em suas aulas de Física. Segundo ele, a receptividade dos alunos era boa, pois fugia do conteúdo matemático e formal da disciplina.
O trabalho analisa três romances escritos por cientistas que tratam da Teoria da Relatividade, tema amplamente disseminado na cultura e que desperta a curiosidade de alunos de ensino básico. O tempo e o espaço do Tio Albert, de Russell Stannard, apresenta didaticamente conceitos da Teoria da Relatividade, contando a história da jovem Gedanken, que recebe ajuda de seu tio Albert em seu trabalho de Ciências. Já Sonhos de Einstein, de Alan Lightman, mescla dados biográficos do físico alemão e ficção para contar a criação da Teoria da Relatividade. Por fim, Tau Zero, de Poul Anderson, é uma ficção científica em que 50 tripulantes viajam a caminho da estrela Beta Virginis, que fica a 32 anos-luz da Terra, numa nave de aceleração constante.
Base teórica
O estudo das obras toma como base teórica o modelo semiótico do linguista lituano Algirdas Julien Greimas e a análise do discurso derivada dos trabalhos do também linguista russo Mikhail Bakhtin. Gomes conta que as ferramentas conceituais utilizadas na pesquisa permitiram uma análise homogênea do texto e a percepção de um viés ideológico nas obras, como visões diferentes de ciência – O tempo e o espaço do Tio Albert propõe uma abordagem mais descontraída da Física – ou posicionamentos políticos dos autores em relação ao contexto histórico – Tau Zero foi escrito durante a Guerra Fria.
Para Gomes, com mais conhecimento sobre as obras e com uma metodologia melhor desenvolvida na pesquisa, as obras podem ser utilizadas com mais critério. “Em Tau Zero, pode-se trabalhar só com conceitos, mas também abordar questões históricas, do contexto da Guerra Fria, ou ainda do papel do cientista e da corrida espacial.”
Ao contrário de outras aulas da Física, a Teoria da Relatividade não pode ser comprovada por experimentos simples. Por isso, a imaginação do aluno, estimulada pelas ficções, é determinante na compreensão do tema. Nada mais adequado, já que, como destaca o pesquisador, a ciência também a utiliza em seus trabalhos: Galileu imaginava seus experimentos antes de realizá-los e o próprio Einstein desenvolveu situações imaginárias, partindo de um conjunto de verdades científicas, para poder formular a Teoria da Relatividade. “A ciência também é uma construção humana”, afirma Gomes.
Além de uma análise prévia sobre os produtos culturais que podem ser utilizados, o pesquisador ainda aponta outros eixos de contribuição trazidos por sua pesquisa, como novas formas de abordagem e ensino da Física Moderna, crescimento na interface entre arte e ciência e na alfabetização científica na sala de aula. E Gomes pretende levar esses estudos adiante: ele já realiza pesquisa de doutorado, agora estudando canções de rock que tratem de temas relacionados à Astronomia.
O trabalho teve a orientação do professor Luis Paulo de Carvalho Piassi, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH). O Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências é formado pela Faculdade de Educação (FE), Instituto de Física (IF), Instituto de Química (IQ) e Instituto de Biologia (IB).
* Publicado originalmente no site Agência USP.