Arquivo

Milhões de pessoas abandonadas à própria sorte por falta de fundos

Desabrigados pelas enchentes disputam donativos em uma das províncias mais afetadas pelas inundações no Paquistão, em 2010. Foto: derradeirasgracas

 

Nova York, Estados Unidos, 28/7/2012 – A ajuda humanitária sofreu no ano passado a maior perda de fundos em uma década, o que revela o fracasso da comunidade internacional em enfrentar as necessidades crescentes de um mundo em crise. A organização britânica Development Iniciatives divulgou um informe este mês destacando o volátil contexto da assistência humanitária após o terremoto do Haiti e as grandes inundações do Paquistão em 2010.

O estudo coincide com dados de meados do ano divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), que elevam as projeções das necessidades humanitárias de US$ 7,9 bilhões para US$ 8,8 bilhões este ano. As exigências da assistência humanitária diminuíram de 74 milhões de pessoas necessitadas em 2010, para 62 milhões no ano passado. Entretanto, a comunidade internacional não pôde cumprir com as menores obrigações.

As contribuições de governos e doadores privados para esta causa caíram 9%, o que fez com que 38% das necessidades humanitárias não fossem atendidas em 2011, acima dos 28% de 2007. Nesse período, os fundos para este fim aumentaram de US$ 12,4 bilhões para US$ 17,1 bilhões. Foi um ano especial para a assistência humanitária, com o terremoto do Haiti e as enormes inundações do Paquistão, pois exigiram US$ 18,8 bilhões da comunidade internacional, enquanto em 2009 foram necessários US$ 15,3 bilhões.

A brecha entre as necessidades e os recursos disponíveis aumenta, apesar de o setor ter provado possuir uma extraordinária resiliência devido à redução da ajuda oficial ao desenvolvimento, segundo Lydia Poole, autora do estudo da Development Iniciatives e responsável pelo programa de assistência humanitária global da organização. “O aspecto positivo do informe é que, por certo, o aumento do financiamento privado, que, de fato, parece muito receptivo diante das crescentes necessidades”, afirmou. “Além disso, os fundos privados tampouco diminuíram tanto em 2011 como se previa”, ressaltou.

O financiamento privado aumentou 70% em 2010 e, como os recursos humanitários em geral, em 2011 permaneceram acima do nível de 2009. A atenção internacional que concentraram os desastres do Haiti e Paquistão aumentou as necessidades humanitárias até níveis sem precedentes, mas também gerou uma mudança significativa na distribuição dos fundos, que deixou outros países quase sem nada. Chade e Nepal registraram cada um queda na ajuda humanitária de pelo menos 30% em 2010, o que mostra que a nova tendência destina 50% dos fundos aos três maiores beneficiários.

Nos dez anos anteriores, apenas um terço dos recursos da ajuda humanitária se concentrava nos três países com maior crise, e o restante se distribuía entre uma grande quantidade de países. De fato, o Haiti recebeu em 2010 mais que o dobro da ajuda que o maior beneficiário de 2009. “Por certo que não corresponde com os bons princípios das doações humanitárias financiar uma crise à custa de outra”, apontou Poole, destacando, em especial, os efeitos no Chifre da África, que tomaram proporções devastadoras no ano passado.

Apesar dos alertas sobre a iminente seca na região, “o efeito foi que não bastaram os fundos para as dispostas organizações da região, que poderiam ter prevenido o sofrimento e salvo muitas vidas se tivessem em mãos os recursos para isso”, observou Poole. Os desastres naturais e os conflitos continuam sendo os principais responsáveis pelas crises humanitárias, diz o informe da Development Iniciatives. Entretanto, apenas 4% da ajuda humanitária se destinou à prevenção e à preparação entre 2006 e 2010, bem abaixo dos 10% ideais, segundo o estudo.

O informe menciona as dificuldades das organizações locais, que costumam ser as primeiras a responder em tempos de crise, para ter acesso a fundos estatais e internacionais quando ocorre um desastre. Muitas organizações internacionais são reticentes em se associar com atores locais por medo de perderem visibilidade e, no final, doadores, disse Manisha Thomas, assessora para resposta humanitária, durante um encontro do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, patrocinado pelo governo do Haiti e pela Organização Internacional das Migrações.

“Infelizmente, se não se fizer ondular a bandeira de sua organização, muitos doadores não a financiarão”, ressaltou Manisha. É necessária uma discussão por parte dos doadores sobre o financiamento de organizações internacionais para que se associem com atores locais. “Em tempos de austeridade financeira, há um argumento econômico de que as organizações nacionais e locais são muito mais eficientes em termos de custos ao responderem a uma crise humanitária”, acrescentou.

Entretanto, nota-se que crescem as necessidades em 2012, quando a crise do Sahel e o conflito no norte de Mali aumentaram a quantidade de gente em situação crítica de 51 milhões para 62 milhões. Um estudo divulgado este ano pelo Procedimento de Apelação Global, do Escritório de Coordenação dos Assuntos Humanitários da ONU (Ocha) revela que este ano só foram recebidos 45% dos fundos necessários. Envolverde/IPS