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Futuro da energia nuclear depende de quem o projeta

Paris, França, 2/8/2012 – O rompimento dos readores da central japonesa de Fukushima Daiichi, em março de 2011, converteu o antigo debate sobre a energia nuclear em uma guerra de palavras entre agências internacionais e especialistas independentes com posições diametralmente opostas. No último informe Urânio, divulgado no dia 26 de julho, a Agência de Energia Nuclear (AEN) e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) ignoram totalmente as lições deixadas pelo desastre de Fukushima e afirmam que, até 2035, a capacidade de geração elétrica a partir desta alternativa aumentará 99%. A previsão também ignora as limitações econômicas derivadas da crise que deixou muitos países da zona do euro à beira do colapso.

As duas agências, financiadas em grande parte por países industrializados, afirmam que nas próximas duas décadas a energia nuclear aumentará entre 44% e 99%, e que as reservas de urânio, apesar dos maiores custos de extração, são mais do que “adequadas para atender os requisitos máximos até 2035”. Porém, especialistas independentes consideram que essas previsões otimistas são típicas da falsa ilusão dessas agências.

Mycle Schneider, um dos autores do World Nuclear Industry Status Report 2012 (WNISR – Informe sobre o Status Mundial da Indústria Nuclear), recordou que as duas agências têm antecedentes de previsões exageradas que nunca são concretizadas. “Em 1973-1974, a AIEA previu uma capacidade nuclear instalada no mundo entre 3,6 mil e cinco mil gigawatts até 2000, dez vezes a atual”, disse Schneider à IPS. Schneider é um consultor sobre temas de energia e política nuclear residente em Paris e trabalhou para quase todos os governos da Europa ocidental, União Europeia, Parlamento Europeu e numerosas organizações ambientalistas. Também é membro do Grupo Internacional sobre Materiais Físseis, na norte-americana Universidade de Princeton.

“Mesmo depois do acidente de Chernobil (Ucrânia) em 1986, a AEN previu uma capacidade nuclear instalada entre 497 e 646 gigawatts até 2000, entre 40% e 80% acima da realidade”, acrescentou o especialista. Ao contrário do que dizem essas agências, o estudo WNISR, divulgado no mês passado, prevê o colapso da energia nuclear em quase todo o mundo, e atribui um significado marginal nas fontes de energia atuais e futuras. No contexto da instabilidade política e dos crescentes custos da construção, para não mencionar os menos rígidos quesitos de segurança para os reatores nucleares e o crescente mercado de recursos renováveis, o informe não apresenta a alternativa atômica entre os primeiros lugares da agenda energética.

“A geração de eletricidade nuclear alcançou um máximo de 2,66 mil terawatts/hora (TWh) em 2006 e caiu para 2.518 TWh em 2011 (4,3% abaixo de 2010), enquanto o peso desta fonte na geração elétrica mundial diminui de forma sustentada de um máximo histórico de 17%, em 1993, para 11%, no ano passado, diz o informe. Além disso, “a capacidade nuclear instalada no mundo diminuiu em 1998, 2006, 2009 e novamente em 2011, enquanto a de energia eólica anual aumentou 41 gigawatts apenas no ano passado”, diz o documento. E acrescenta que o investimento global em energias renováveis chegou a US$ 260 bilhões em 2011, 5% mais do que no ano anterior e quase cinco vezes mais do que em 2004.

“O investimento total acumulado em fontes renováveis aumentou para mais de US$ 1 trilhão desde 2004, segundo a Bloomberg New Energy Finance”, indicou Schneider à IPS. “Compare isto com nossa estimativa de decisões de investimento em energia nuclear de US$ 120 bilhões no mesmo período”, ressaltou. Tais fatos contraditórios mostram que “as fontes de energia renováveis e o gás natural são cada vez mais acessíveis e muito mais rápidos de instalar” do que a alternativa nuclear, explicou Schneider. O WNISR considera que a catástrofe de Fukushima é um ponto de inflexão no desenvolvimento da energia atômica, mas o informe da AEN e da AIEA vê esse desastre apenas como um “obstáculo no caminho”.

De fato, o diretor-geral da AEN, Luis Echávarri, declarou: “O acidente de Fukushima Daiichi fez com que atrasasse o desenvolvimento de programas de energia nuclear no mundo enquanto são analisadas e implantadas as lições que deixou. A maioria dos países reafirmou seu compromisso de continuar utilizando a energia nuclear, mas alguns optaram por reduzi-la de forma gradual ou não reintroduzi-la”.

A AEN e a AIEA reiteraram referências anteriores a supostos planos para a construção de novas usinas nucleares, “com a forte expansão de China, Índia, República da Coreia e Federação Russa”, e dão como certo o crescimento desta alternativa em outros países. Porém, negam-se a quantificá-lo. Seu otimismo só pode ser explicado por uma decidida negação dos acontecimentos reais em matéria energética após o desastre de Fukushima, pontuou Antony Froggatt, pesquisador especializado nestes temas do grupo de estudo Chatham House, com sede em Londres.

“A mudança mais significativa depois de Fukushima ocorreu fora do Japão, e foi na Alemanha”, lembrou Froggatt à IPS. “Quatro meses depois do acidente, Berlim adotou uma lei que reintroduz e acelera uma iniciativa anterior de reduzir de forma gradual o peso da energia nuclear”, acrescentou. A eliminação desta alternativa econômica na Alemanha deverá ser completada até dezembro de 2022. O Japão também examina seguir por esse caminho nas próximas duas décadas.

“Outros países da Europa, entre eles, Bélgica, Itália e Suíça, afastaram-se da fonte nuclear”, destacou Froggatt. Quanto às nações em desenvolvimento, Egito, Jordânia, Kwait e Tailândia “abandonaram seus planos para desenvolver esta alternativa”, acrescentou. Entretanto, reconheceu que outros Estados, como República Checa, França, Hungria e Grã-Bretanha, bem com Índia e Paquistão, reiteraram suas intenções de continuar desenvolvendo a energia nuclear. A China é uma incerteza, pois suspendeu novas construções para fazer novas avaliações e novos testes, o que contrasta com o otimismo da AEN e da AIEA.

Para que a geração elétrica procedente da energia nuclear aumente 99% nos próximos 23 anos, seria preciso construir centenas de centrais, o que é pouco provável, pois, segundo o estudo de Schneider, desde o ano passado foram instalados apenas nove reatores e 21 acabaram desativados. “Das 59 unidades em construção no mundo, pelo menos 18 têm atrasos de vários anos, enquanto os restantes 41 projetos começaram nos últimos cinco anos e não chegaram às datas previstas para seu início, o que torna difícil prever se cumprirão o cronograma”, ressaltou Schneider. Envolverde/IPS