TERRAMÉRICA - População contra campos eletromagnéticos

No muro que rodeia a subestação Rigolleau ficou estampada a rejeição dos vizinhos. Foto: Juan Moseinco/IPS

Os limites argentinos à radiação emitida por instalações de transformação e transmissão elétrica não respeitam o princípio da precaução.

Buenos Aires, Argentina, 20 de agosto de 2012 (Terramérica).- A incerteza científica sobre o impacto dos campos eletromagnéticos na saúde justificam questionamentos de cidadãos da Argentina que preferem as usinas transformadoras de energia longe de seus bairros. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não descarta que as radiações dos campos eletromagnéticos de frequência extremamente baixa tenham efeitos nocivos na saúde, inclusive como fator desencadeante de leucemia infantil, porém considera que as evidências não são suficientes para fazer recomendações taxativas.

Desde 2004, vizinhos da subestação transformadora Rigolleau no município de Berazategui, sudeste da capital, reclamam a mudança dessa central por medo de seus efeitos. Segundo denúncias apresentadas na justiça, outra subestação, instalada desde 1978 na vizinha cidade de Ezpeleta, também na província de Buenos Aires, teria feito aumentar o número de casos de câncer na população próxima.

Em 2000, uma empresa química solicitou que fosse ampliado o fornecimento para sua fábrica, o que fez a administradora da subestação, a companhia Edesur, duplicando o abastecimento. Os moradores denunciaram que isso também multiplicou a poluição eletromagnética. A justiça reivindicou o princípio precatório e suspendeu as operações até ter certeza quanto à relação entre produção e transmissão elétrica e os casos de câncer. Entretanto, a subestação continua funcionando.

Com esse antecedente, moradores de Berazategui exigem que Rigolleau seja levada para outro lugar antes de começar a funcionar. Mas suas ações até agora não tiveram sucesso, e há suspeitas de que a transformadora já esteja funcionando. “Nos dizem que precisamos provar que Rigolleau contamina, mas é o contrário, o Estado e a empresa que devem nos dar certezas científicas de que não haverá impacto na saúde no longo prazo”, disse ao Terramérica Vanesa Salgado.

Vanesa integra o Fórum pelos Direitos da Infância, Adolescência e Juventude de Berazategui, e seus dois filhos frequentam uma escola que fica a 150 metros da subestação. Os cabos subterrâneos de Rigolleau passam por baixo dessa e de outra escola. Em 2004, quando a Edesur decidiu instalar nesse local seu projeto, os vizinhos ficaram alertas. Haviam sido advertidos por moradores de Ezpeleta sobre perigos imperceptíveis da exposição a radiações magnéticas e elétricas que variam de intensidade segundo a demanda de energia ao longo do dia. A Edesur nunca respondeu aos pedidos de informação. De acordo com Vanesa, “dizem que estão dentro dos limites legais” de emissão.

O Organismo Nacional Regulador da Eletricidade (Enre), órgão estatal de controle, avaliza a posição da empresa e, se faz as medições periódicas às quais está obrigado, não informa a comunidade. A Edesur e o Enre se amparam na Resolução 77/98 da Secretaria de Energia, assinada em 1998, que estabelece o limite máximo de 25 microteslas (µT) para este tipo de radiação. A µT é a unidade usada para medir os campos magnéticos. “Contudo, esta resolução é uma norma técnica, não leva em conta o impacto na saúde da população que vive próxima da subestação”, afirmou Vanesa.

O Fórum e a Assembleia de Moradores Autoconvocados pela Vida de Berazategui decidiram, então, apelar para a justiça. E exigem a aprovação de uma lei sanitária que fixe critérios preventivos em relação aos campos magnéticos, e que está em sendo estudada por alguns legisladores. Em 2011, um protesto de moradores foi reprimido pela polícia com o resultado de 11 feridos. Em fevereiro deste ano, quando foi instalada uma barreira em volta da subestação com forte segurança policial, voltaram os incidentes e a repressão. Segundo Vanesa, a estação já funciona, mas não há certeza. As cartas que enviam à Edesur e ao Enre não são respondidas.

A OMS implantou em 1996 o Projeto Internacional sobre Campos Eletromagnéticos para investigar os riscos sanitários vinculados às tecnologias que produzem estas radiações. Nesse contexto, em 2005 foi criado um grupo de trabalho que produziu, dois anos mais tarde, o estudo Campos de Frequência Extremamente Baixas, que analisou testes científicos de diferentes efeitos sanitários. Este estudo não encontrou substanciais consequências na saúde decorrentes da exposição geral do público a campos elétricos. Por outro lado, referiu-se a efeitos de curto e longo prazos pela proximidade a campos magnéticos.

No curto prazo, uma exposição a radiações muito elevadas (acima de 100 µT) origina “no corpo humano correntes e campos elétricos que (…) causam estímulo neural e muscular (e) mudanças na excitabilidade neuronal do sistema nervoso central”. Quanto aos efeitos de longo prazo, o estudo ratificou a qualificação da OMS de 2002: os campos magnéticos são “possivelmente carcinógenos para as pessoas. Esta qualificação se aplica àqueles agentes cuja ação cancerígena está escassamente provada nas pessoas e insuficientemente provada em experimentos com animais”.

Análises de estudos epidemiológicos demonstram “um quadro sistemático de aumento em dobro da leucemia infantil associada a uma exposição média a campos magnéticos de frequência de rede doméstica superior a 0,3 µT e 0,4 µT”, acrescentou a OMS. Porém, as evidências epidemiológicas se debilitam por problemas metodológicos, se desconhece se há um mecanismo biológico que desate o câncer diante da exposição a um campo magnético e os testes com animais deram resultados negativos.

Quanto à incidência dos campos eletromagnéticos em outros tipos de câncer, depressão, suicídio, transtornos cardiovasculares, disfunções reprodutivas, transtornos do desenvolvimento e modificações imunológicas, entre outros problemas, os testes científicos foram muito mais fracos do que na leucemia infantil, concluiu o grupo de trabalho da OMS.

Em entrevista ao Terramérica, o engenheiro Jorge Sinderman, diretor da cadeira de engenharia eletrônica da Universidade Nacional de San Martín, insistiu em afirmar que “os dados sobre possíveis efeitos nocivos para a saúde humana não são concludentes”. E, “para as radiações eletromagnéticas, que incluem frequências de distribuição elétrica, não se pode afirmar categoricamente sua inocuidade nem sua periculosidade. A prática habitual é empregar o princípio da cautela e estabelecer um máximo para a exposição”, ressaltou.

O doutor Guillermo Sentoni, da Escola de Ciência e Tecnologia da mesma universidade, explicou ao Terramérica que os dados de câncer entre os indivíduos que vivem perto das linhas de força “são consistentes em indicar um risco levemente mais alto de leucemia em crianças”. Porém, “estudos mais recentes questionam a débil associação previamente observada”, acrescentou, enfatizando que, “na ausência de uma base de estudos de laboratório, os dados epidemiológicos são escassos para estabelecer recomendações”. A incerteza persiste. (Envolverde/Terramérica)

* A autora é correspondente da IPS.

 

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

 

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Antenas de celulares movem ondas de temor e protestos, em espanhol

Aumentam os celulares e o temor a suas antenas – 2005, em espanhol

Fórum pelos Direitos da Infância, a Adolescência e a Juventude de Berazategui, em espanhol

Edesur, em espanhol

Organismo Nacional Regulador da Eletricidade, em espanhol

Secretaria de Energia, em espanhol

Extremely Low Frequency Fields – 2007, PDF em inglês

Projeto Internacional Campos Eletromagnéticos, em espanhol, inglês e francês

Universidade Nacional de San Martín, em espanhol

Resolução 77/98 da Secretaria de Energia, PDF em espanhol