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O medo dos imigrantes se sente no ar no Arizona

Ativistas da caravana diante do tanque que Joe Arpaio colocou na entrada da prisão informal Tend City. Foto: Daniela Pastrana/IPS

 

Tucson, Estados Unidos, 24/8/2012 – O medo caminha pelas cidades do Arizona. Matthiew, de sete anos, o sente quando sua mãe cruza a linha permitida pelos guardas da prisão informal Tent City para ser fotografada com um cartaz contra o sequestro de imigrantes. “Não, não, não”, grita o garoto em pânico. Depois se cala e nega-se a responder qualquer pergunta. “Sente medo. É o que todos sentimos aqui”, disse à IPS sua mãe, Estela Jiménez, de nacionalidade norte-americana e residente na cidade de San Diego, na Califórnia, há 23 anos, que trabalha em uma casa para imigrantes deportados na fronteiriça cidade mexicana de Mexicali.

Ela participou do protesto diante da prisão de Maricopa que no dia 16 realizaram integrantes do Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade, liderado pelo poeta mexicano Javier Sicilia, junto com ativistas dos direitos humanos das minorias dos Estados Unidos. Javier lidera uma caravana pelos Estados Unidos, de vítimas da violência que produziu no México a estratégia de segurança militarizada durante o governo do conservador Felipe Calderón, para pedir ao governo de Barack Obama o fim do contrabando de armas e uma mudança na política bélica contra as drogas.

O grupo começou sua marcha no dia 12 deste mês e chegará a Washington em 10 de setembro, após percorrer 9.400 quilômetros. Já passou pela Califórnia, antes de entrar no Arizona, onde há 460 mil imigrantes sem documentos e também leis draconianas contra a imigração ilegal. Aqui, qualquer funcionário estadual pode revistar quem parecer não ter documentos, e é ilegal procurar trabalho se não contar com esses papéis, desde que em 2010 foi aprovada a lei SB1070, parcialmente revogada pela Suprema Corte de Justiça em junho deste ano.

O racismo do Arizona se exacerba no condado de Maricopa, onde fica a cidade de Phoenix, e se materializa na figura do xerife Joe Arpaio, implacável perseguidor de sem documentos e criador da Tent City, uma extensão da prisão do condado na qual os prisioneiros vivem em tendas de campanha, a 50 graus à sombra no verão. Na Tent City (Cidade das Barracas) os presos vestem um uniforme com listras brancas e pretas, tirado dos velhos filmes norte-americanos, e a roupa de baixo deve ser cor-de-rosa. Trabalham em grupo limpando ruas ou pintando paredes, com grilhões nos pés e, a título de piada, no alto da torre de vigilância o xerife mandou colocar o aviso “Vacancy” (há vagas).

Embora seja inverossímil, é um centro para delitos menores e está ocupado primordialmente por imigrantes. Em Maricopa vive-se um “novo apartheid”, dizem os ativistas, em referência ao sistema segregacionista que existiu na África do Sul até 1994, e explicam que, apesar de 38% dos 3,5 milhões de habitantes do condado serem latinos, especialmente mexicanos, o controle político está totalmente nas mãos de anglo-saxões.

Arpaio, de 77 anos, descendente de italianos, busca este ano sua quinta reeleição consecutiva, com a luta contra os imigrantes ilegais como sua bandeira. Jiménez, como Mercedes Moreno e Micaela Saucedo, da Casa de Abrigo Elvira, na cidade fronteiriça mexicana de Tijuana, também se uniram à caravana, mostrando seus passaportes abertos. “Viemos mostrar a Arpaio que somos tão cidadãs norte-americanas como ele’, disse Mercedes à IPS, enquanto mostrava a foto de seu filho José Leonidas desaparecido desde 1991 em Ciudad Hidalgo, no Estado mexicano de Chiapas, quando começava a cruzar o México para chegar aos Estados Unidos.

O protesto na prisão de Maricopa não estava incluído no programa original da caravana e foi evidente a tensão dos organizadores, diante da possibilidade de algum participante se ferido. “Arpaio é capaz disso”, confirmou à IPS Carlos García, morador no condado há 26 anos, responsável pela organização defensora de imigrantes Puente Arizona e várias vezes detido por se manifestar contra as leis migratórias.

Mas Arpaio não deteve ninguém e, pelo contrário, recebeu o poeta Sicilia e um grupo de ativistas que se apresentaram de surpresa em seus escritórios, no prédio do banco Wells Fargo. Antes da reunião, que durou uma hora e teve vários momentos de tensão, o xerife se assegurou que chegasse a imprensa local. “Não vou fazê-lo mudar de opinião, mas peço um tratamento mais humano para nossos imigrantes”, disse o poeta. O xerife se segurou para não responder.

Nos Estados Unidos há 11 milhões de pessoas sem residência legal, 70% delas de origem latino-americana. O governo Obama deportou um milhão de pessoas sem documentos. Segundo a organização Anjos da Fronteira, desde 1994 morreram dez mil pessoas tentando cruzar o deserto do Arizona desde o México. “Anualmente morrem mil tentando cruzar a fronteira. O fluxo principal era na Califórnia, mas, depois de setembro de 2011, mudou para o Arizona, onde ocorrem as mortes mais brutais”, disse à IPS o fundador dessa organização, Enrique Morones. O ativista não participou dos protestos com a passagem da caravana porque sua organização boicota o Estado, por suas leis migratórias.

O movimento pela paz nasceu no México após o assassinato de Juan Francisco Sicilia, filho do poeta, em 28 de março de 2011. Esta caravana nos Estados Unidos é a terceira marcha de longo percurso de que participa, no que representa a busca por justiça da sociedade para as vítimas da violência. O contraste entre os dois primeiros Estados que percorreu é enorme. Na Califórnia, onde Sicilia disse que a política de guerra contra as drogas humilha a segunda emenda da Constituição norte-americana, o grupo de vítimas foi ouvido na sessão do conselho municipal de Los Angeles, e o conselheiro José Huízar, nascido no México, propôs uma resolução em favor da caravana.

“Não é preciso ir ao Afeganistão ou ao Iraque para ver a magnitude de uma tragédia humana; basta ver além de nossa fronteira sul”, indicou Huízar, antes de revelar que sua família também sofreu violência no Estado mexicano de Zacatecas. A visita aconteceu um dia depois de os legisladores da Califórnia aprovarem uma resolução conjunta para pedir ao governo federal maior controle do tráfico de armas.

Já no Arizona, a caravana chegou no dia em que a governadora Jan Brewer descartou aplicar no Estado a Ação Diferida, medida anunciada em junho por Obama para adiar por dois anos a deportação de jovens sem documentos que tivessem chegado ainda crianças nos Estados Unidos. Com o lema de “sonhadores”, os jovens sem documentos estão exigindo ter direitos plenos.

Mas no Arizona nem mesmo se permite sala de aula étnica. Em contraste com as autoridades, a caravana foi recebida com emoção por integrantes de congregações cristãs, que denunciaram o endurecimento do racismo e da segregação. “Não tenhamos medo, porque o medo paralisa. O que vão liquidar é o futuro de nossos filhos”, disse Jonathan Peck, com seu filho pequeno nos braços. Envolverde/IPS