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União Europeia repensa sua política agrícola – Parte 1

Varsóvia, Polônia, 29/8/2012 – A produção rural da União Europeia (UE) está baseada em sua Política Agrícola Comum (PAC), originada há seis décadas para enfrentar a grave escassez de alimentos que atingiu o continente durante e depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Porém, em tempos de fome, persistentes secas e iminentes guerra por recursos naturais, especialistas alertam que é preciso revisar a lógica por trás da PAC, focada em produzir grandes quantidades de alimentos usando métodos fundamentalmente industriais.

Em primeiro lugar, os europeus já não sofrem fome. Na verdade, comem o dobro de carne do que a média mundial. Mais de 170 quilos de alimentos por habitante são desperdiçados por ano na UE, segundo o Escritório Europeu de Meio Ambiente. Em segundo lugar, o tipo de agricultura industrial promovida durante décadas pelo bloco tem um grande custo para o meio ambiente: o setor responde por um quarto do total da água utilizada na Europa. Por ano, cem mil hectares de terra são perdidos devido à sua deterioração, e a biodiversidade diminui em um ritmo sem precedente.

Por fim, o apoio oficial da UE aos seus agricultores para exportar artigos a preços bem abaixo de seus custos de produção tem um papel fundamental na destruição do sustento de pequenos produtores nos países em desenvolvimento. Embora esses subsídios tenham diminuído significativamente no últimos anos, a Europa é a maior importadora e exportadora de produtos agrícolas. Suas importações de alimentos para animais favorecem as monoculturas, o desmatamento e inclusive a posse de terras em países em desenvolvimento. Claramente, é necessário transformar o modelo, pelo bem dos países em desenvolvimento, pela crise climática global e pela saúde e pelo bem-estar dos próprios europeus.

Muitos na Europa já estão conscientes da necessidade dessa mudança. A PAC atualmente passa por reformas estruturais que provavelmente levarão à adoção de uma política modernizada até 2014. No ano passado, a Comissão Europeia, órgão executivo da UE, apresentou uma proposta de reforma que, apesar de não abordar necessariamente todos os problemas da PAC (como sua forte ênfase no aumento da produção com base na agricultura industrial, ou seu impacto na soberania alimentar no resto do mundo), dá passos decididos rumo a métodos de agricultura verde em todo o bloco. Fundos públicos superiores a 350 bilhões de euros (US$ 439,7 bilhões) são destinados a financiar estabelecimentos agrícolas da UE em cada orçamento para um período de sete anos.

A Comissão Europeia propôs que, a partir de 2014, 30% dos subsídios para os agricultores sejam condicionados à adoção de padrões ambientais. Também estabeleceu teto de 300 mil euros para cada produtor. Além disso, defende a diversificação, pedindo aos agricultores que plantem pelo menos três tipos diferentes de cultivos. Além disso, solicitou aos produtores que mantenham pastagens livres, em lugar de arar todas suas terras, para permitir o sequestro de carbono, proteger a biodiversidade e melhorar a administração da água. Também exigiu que 7% da terra da cada propriedade seja mantida sem cultivar, permitindo que ali a natureza se desenvolva livremente.

A proposta representa uma tentativa de levar a agricultura europeia a práticas mais naturais. Para muitos dos 15 milhões de produtores do bloco, as recomendações não são difíceis de implantar, e os bons resultados em várias pequenas propriedades em toda a UE são a evidência de que as medidas não são apenas práticas, mas têm êxito. Porém, agricultores industriais, interessados em aproveitar até a última porção de terra para produzir mais e ter mais lucro, lutarão contra as reformas.

A proposta da Comissão Europeia foi criticada tanto por grupos de agricultores industriais como por alguns governos. Um informe do parlamento da Grã-Bretanha diz que as mudanças implicariam novas cargas burocráticas sobre os produtores, e possivelmente atrapalhariam as práticas verdes já implantadas em alguns países membros. No momento, a Comissão procura se manter firme.

“Sei que alguns agricultores estão fazendo mais. Nós, definitivamente, não queremos castigá-los”, disse à IPS o comissário da UE para a Agricultura e o Desenvolvimento Rural, Dacian Ciolos. “Por isso que a Comissão está disposta a considerar um sistema de equivalência nesses Estados-membros ou regiões que já fizeram muito nessa direção. Damos a eles esta flexibilidade por ser importante considerar o progresso já feito”, acrescentou.

“No entanto, além desta flexibilidade, o princípio continua sendo o mesmo”, ressaltou Ciolos. “O ponto principal com estas práticas agrícolas verdes vinculadas com os subsídios é que tenham um impacto real em nível europeu. E só poderemos conseguir isso se pedirmos a cada um dos agricultores que as apliquem”, acrescentou. “Assim, essas medidas não podem ser voluntárias. Não podemos falar de sustentabilidade da agricultura sem assumir a responsabilidade pela proteção do meio ambiente e o manejo dos recursos naturais”, concluiu.

Faltando mais um ano de negociações sobre a PAC, a Comissão Europeia agora luta para garantir que suas propostas iniciais não sejam enfraquecidas e para ganhar a aprovação dos países ainda reticentes. Organizações não governamentais ambientalistas, que a princípio receberam com pouco entusiasmo a proposta da Comissão Europeia, dizendo que poderia ser muito mais ampla, agora defendem as reformas e utilizam seu poder de base para pressionar os Estados-membros a aceitarem as recomendações.

“A proposta da Comissão é uma tentativa de mudar o enfoque da PAC, de orientá-la para proteger os bens públicos”, disse à IPS a encarregada de estudar as políticas agrícolas da UE para a organização BirdLife, Trees Robijns. “Mas, veremos se resulta ser uma PAC mais verde ou, pelo contrário, um ecobranqueamento”, ponderou. Utiliza-se o termo ecobranqueamento (greenwashing, em inglês) para se referir a estratégias publicitárias de empresas ou governos que aparentam respeitar o meio ambiente, mas que acabam sendo irrelevantes. “Os beneficiários da PAC devem entender que este dinheiro público que recebem não é um direito, mas um privilégio que deverão defender e justificar”, acrescentou Robijns. Envolverde/IPS

* Este é o primeiro de dois artigos sobre agricultura verde na Europa.