Nações Unidas, 3/9/2012 – A última decisão da Austrália de trasladar os solicitantes de asilo para centros de detenção localizados nas ilhas do Oceano Pacífico causou alarme em organizações de direitos humanos. A reabertura desses centros de detenção “pode derivar em graves violações dos direitos humanos, incluindo uma detenção potencialmente infinita”, disse à IPS Pia Oberoi, conselheira do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
O direito humanitário internacional estabelece limites para o período de detenção de imigrantes e, também, que cada caso deve ser decidido particularmente. Mas a Austrália deixou claro que “os solicitantes de asilo transferidos para centros nas ilhas Nauru e Manus serão processados de acordo com as obrigações internacionais”, explicou à IPS um porta-voz do governo.
Embora alguns dos imigrantes que chegam à Austrália de barco não estejam em condições legais de fazer reclamações válidas sob a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, muitos estão protegidos pelo direito internacional humanitário, pois são vítimas do tráfico de pessoas. O direito internacional também os protege de serem devolvidos a países onde suas vidas ou sua liberdade possam estar em perigo.
“O princípio de não devolução tem um alcance extraterritorial, o que significa que a Austrália tem obrigações quando solicitantes de asilo e imigrantes chegam à sua jurisdição ou entram sob seu controle efetivo, mesmo quando são interceptados em alto mar”, detalhou Oberoi. A decisão do governo australiano de reabrir esses centros de detenção tem o objetivo de dissuadir a chegada por mar de solicitantes de asilo de diversos lugares do Oceano Pacífico, uma perigosa travessia que realizam em barcos pequenos e lotados. Mais de cem solicitantes de asilo morreram afogados tentando chegar à Austrália este ano.
“Por meio de um processo regional e com aumento da recepção humanitária, a Austrália busca acabar com as trágicas consequências das perigosas viagens de barco por parte de solicitantes de asilo”, declarou o porta-voz. Porém, Oberoi discorda deste enfoque, e diz que “não há evidência empírica de que a detenção evite a imigração irregular ou desestimule as pessoas de buscar asilo”. No contexto de um esforço para conseguir que os imigrantes entrem no país pelos canais regulares, o governo australiano aumentou a conta de entrada destes de 13.750 para 20 mil este ano, e se comprometeu a elevá-la para 27 mil até 2017.
Entretanto, Ben Farrell, representante em Canberra do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), disse à IPS que esta agência prefere “um acordo pelo qual se permita aos solicitantes de asilo que chegarem em bote serem processados no território da Austrália”, e não serem enviados para as ilhas. Farell afirmou que o Acnur acredita na eficácia dos enfoques cooperativos na região, e acrescentou que essas estratégias têm o potencial de garantir proteção aos solicitantes de asilo sem que estes corram riscos no oceano.
A política dos centros de detenção fora do território australiano tinha sido abandonada em 2007, diante das queixas de que os refugiados passavam meses detidos antes de terem seu destino decidido. Em 2011, a Austrália negociou um polêmico acordo com a Malásia pelo qual enviaria a este país 800 solicitantes de asilo em troca de receber quatro mil refugiados registrados. No entanto, o acordo foi rejeitado pelo Supremo Tribunal australiano porque a Malásia não é signatária da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951.
“Para que um sistema como o proposto à Malásia seja legal não pode haver riscos de a Austrália passar por cima de suas obrigações internacionais de direitos humanos e com a Convenção no tratamento dos solicitantes de asilo e imigrantes”, ressaltou Oberoi. Em agosto, foram interceptados 650 solicitantes de asilo que tentavam chegar à Austrália em barco. O número anual de chegadas por essa via representa 2% da imigração total para este país. Até março de 2011, o tempo médio que os detidos passavam nos centros para solicitantes de asilo na Austrália era de 213 dias. Envolverde/IPS