Pequenos agricultores dos arredores de Yaoundé cada vez mais plantam em terrenos irrigados por esgoto urbano. Foto: Monde Kingsley Nfor/IPS

 

Yaundé, Camarões, 4/9/2012 – A camaronesa Juliana Numfor dedica-se à agricultura urbana em seis terrenos, onde planta milho, mandioca, batata doce e hortaliças. O solo é úmido e visivelmente pantanoso, e fica perto de um riacho. Mas, ao se aproximar, pode-se ver a água escura e fétida. Trata-se de esgoto, procedente de um bairro de residências estudantis em Yaoundé, popularmente conhecido como “Cradat”, que está a menos 400 metros de seus terrenos. No entanto, é precisamente graças a essa água que Numfor cultiva nessas terras públicas. Prefere fazê-lo em locais onde circula esgoto porque assim pode irrigar seus cultivos, explicou à IPS.

Isto se deve ao fato de as chuvas serem cada vez mais irregulares e imprevisíveis. “O tipo de cultivo que cresce nesta terra pode prosperar em qualquer terreno fértil se for bem regado. Mas neste período de agosto, que costuma ser úmido em Yaoundé, choveu pouco. Isto torna impossível as verduras crescerem sem uma adequada irrigação”, disse Numfor. E ela não é a única agricultora que faz isso. Os que cultivam em pequenas áreas nos arredores de Yaoundé o fazem cada vez mais em locais onde corre esgoto procedente da cidade.

Embora não haja dados oficiais sobre quantas pessoas cultivam nessas áreas, o Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural (Minader) admitiu que esta prática está muito difundida. É comum ver pequenos agricultores de Yaoundé e seus arredores plantando em terrenos públicos, ao longo de ferrovias, em áreas de conservação e inclusive perto de estradas. “Esta é uma prática de longa data, que só cresceu devido a muitas causas, entre elas a mudança climática. Muitos recorrem à agricultura urbana com água de esgoto”, detalhou à IPS a inspetora agrícola Collette Ekobo, do Minader.

Uma mulher de 45 anos disse à IPS conhecer outras 11 mulheres que cultivam em terras próximas de esgoto. “Tudo o que sei é que a terra é muito fértil. Penso que quando as pessoas esvaziam suas latrinas e lançam outros dejetos nesta água, isso deixa a terra muito fértil para plantar. E há água o ano todo”, afirmou. Acredita-se que as migrações das zonas rurais para as urbanas, agravadas pelos efeitos adversos da mudança climática sobre a agricultura nas primeiras, é um dos principais motivos para haver tantos agricultores na cidade.

Em 2011, o Minader começou a alertar os produtores sobre a variabilidade climática que afeta a agricultura em todo o país. Yaoundé, que fica na região central de Camarões, teve escassas chuvas. “Ao longo dos anos, o padrão de precipitações na capital tem sido muito variável e nada fácil de entender. As chuvas se tornaram muito irregulares, imprevisíveis e reduzidas. Isto causa uma secura prolongada e faz com que sequem as correntes hídricas, o que é acompanhado de um clima excessivamente quente. Tudo isto provoca um mau desempenho agrícola e uma baixa produção”, declarou o Ministério.

Segundo Ekobo, devido à mudança climática, muitos agricultores têm dificuldade em saber quando começar a plantar. “Março tradicionalmente assinala o início da temporada de semeadura na região central do país, após a chegada das chuvas. Mas, devido aos variáveis padrões das chuvas, agora eles adaptaram os seus períodos de semeadura, fenômeno que é bastante difícil de dominar perfeitamente. Isto causa muita confusão entre os produtores”, afirmou.

A agricultura nas cidades é integrada ao sistema econômico e ecológico urbano do país, acrescentou Ekobo. “A terra é rica graças a recursos urbanos como os dejetos orgânicos, usados como compostagem, e com o esgoto, utilizado na irrigação. Também há vínculos diretos com os consumidores urbanos”, informou. Entretanto, cultivar em locais onde se acumula o esgoto urbano não é saudável, segundo Foongang Mathias, especialista agrícola do Ministério do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Desenvolvimento Sustentável.

“A irrigação com esgoto fornece nutrientes necessários para as plantas, especialmente nitrogênio e fósforo, requeridos para um amplo crescimento dos cultivos. Mas também representa uma ameaça à saúde e ao meio ambiente, não apenas para os produtores urbanos, como para os consumidores dos alimentos plantados nessa área, disse Mathias à IPS. Os dejetos tóxicos derivados de casas, hospitais e indústrias provavelmente são depositados ou transportados nessa água de esgoto, observou. “Esta água contém organismos patogênicos e vetores de enfermidades semelhantes aos existentes nos excrementos humanos. Esses patogênicos podem sobreviver no solo ou no cultivo e causam doenças nas pessoas”, ressaltou.

Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde, quase todos esses patogênicos podem sobreviver no solo por um período suficientemente longo para colocar em risco a saúde dos agricultores. Apesar dos riscos que tudo isto implica para sua saúde e de seus clientes, Numfor disse à IPS que estes são amplamente superados pelos ganhos econômicos obtidos cultivando em áreas irrigadas por esgoto urbano. Ela continuará vendendo o que produz para seus fregueses, entre os quais há donos de restaurantes e outros comerciantes, afirmou. Numfor disse ganhar, em média, US$ 8 por dia, e às vezes até mais, quando vende seus cultivos a mulheres que exportam verduras de Camarões para Estados Unidos e Europa.

Em um mercado de Obili, bairro da capital, os feirantes exibem grandes pilhas de verduras cujos preços variam de US$ 0,50 a US$ 0,75 o maço. E aos consumidores locais não importa onde foram cultivadas. “Passo totalmente por cima do fato de serem plantadas onde tem esgoto porque, embora contenham germens, esses organismos não podem sobreviver em uma panela a temperaturas muito altas”, disse à IPS uma mulher que comprou três maços de “folha amarga” (Vernonia amygdalina). Outra disse sentir que as verduras são seguras se as cozinhar em condições higiênicas, e, além disso, “nunca ninguém se queixou depois de consumi-las”.

No entanto, Ekobo afirmou que o governo não pretende regular a agricultura praticada perto de esgoto. Esta “não é uma atividade regulada no país, embora seja parte importante do sistema alimentar urbano. Ainda não é considerada um problema potencial, mas um modo de subsistência para as mulheres”, acrescentou. Envolverde/IPS