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Mais perto da igreja, mais longe dos ODM

Entre outras coisas, os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, da Organização das Nações Unidas (ONU) propõe reduzir em três quartos a mortalidade materna até 2015 em relação aos índices de 1990. Foto: Divulgaão/Internet

Bangcoc, Filipinas, 6/9/2012 – Quando o presidente das Filipinas, Benigno Aquino III, fez, em julho, seu discurso anual sobre o estado da nação, exortou os legisladores desse país predominantemente católico a tirar do ponto morto um avançado projeto de lei sobre controle de natalidade. Cerca de 15 mulheres filipinas morrem por dia devido a complicações relacionadas com a gravidez (há uma década esse número era de 11), muitas delas adolescentes dos setores mais pobres, segundo dados oficiais.

Na década que passou desde que foi apresentado originalmente o projeto de lei, a quantidade de gravidez indesejada aumentou 54%, conforme o Estudo de Saúde Familiar 2011, realizado pelo governo. O projeto busca atender esta problemática oferecendo opções anticonceptivas, serviços de saúde reprodutiva e educação sexual nas escolas. Segundo o estudo governamental, a taxa de mortalidade materna chegou a 221 mortes para cada cem mil nascidos vivos no período 2006-2011, alta de 36% em relação ao período 2000-2005.

No começo de agosto a bancada oficialista no Congresso comemorou quando, finalmente, terminou o debate que freava a Lei sobre Paternidade Responsável, Saúde Reprodutiva e Desenvolvimento Populacional. Agora, enquanto o texto é submetido a diversas emendas no Senado e na Câmara de Representantes, seus defensores enfrentam a pressão de uma minoria que tenta impedir que o projeto seja sancionado antes de 15 de outubro, quando termina a atual legislatura.

“As forças contrárias ao projeto sabem que, neste momento, os que apoiam o projeto têm maioria, por isso sua estratégia é prolongar o processo parlamentar”, afirmou à IPS o congressista Walden Bello, do Partido Ação dos Cidadãos. “Quando chegarmos a meados de outubro, será muito difícil conseguir quorum para legislar, já que a maioria dos membros da Câmara de Representantes estará em campanha pela reeleição” no pleito de maio de 2013, acrescentou.

Segundo Bello, outra estratégia da minoria contrária ao projeto (cerca de 120 entre os 285 legisladores na câmara baixa) é facilitar a influência da Igreja Católica, seguida por mais de 90% dos 94,8 milhões de habitantes desse arquipélago. Cerca de 190 acadêmicos da Universidade de Manila, administrada pela Companhia de Jesus (jesuítas), foram ameaçados pelas autoridades eclesiásticas de serem acusados de heresia se apoiassem o projeto, informou a imprensa local.

“O princípio mais importante da lei canônica é que não permitimos que se ensine algo contrário aos ensinamentos oficiais da Igreja”, explicou o bispo Leonardo Medroso a uma rádio local. “Se alguém dá instruções contrárias aos ensinamentos da Igreja, então deve ser imediatamente investigado”, acrescentou. A Igreja Católica também apoiou manifestações de rua contra o projeto de lei. Uma das mobilizações reuniu dez mil pessoas em Manila. Os católicos dizem que o projeto ameaça os valores familiares e permite a interferência do Estado em assuntos que consideram domínio da religião.

O projeto de lei se converteu em um importante tema político devido à intromissão da Igreja Católica, disse Harry Roque, professor de direito constitucional na Universidade das Filipinas. “A influência da Igreja é muito persuasiva”, disse em entrevista por telefone, de Manila. “Contudo, a realidade é que precisamos desta lei. É importante que o presidente faça o certo”, afirmou. Sem este projeto o país corre risco de ficar atrasado quanto aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, da Organização das Nações Unidas (ONU), que entre outras coisas propõe reduzir em três quartos a mortalidade materna até 2015 em relação aos índices de 1990.

Organizações locais de mulheres e agências da ONU alertam que as Filipinas têm poucas probabilidades de atingir essa meta. O primeiro projeto de lei, apresentado nas duas câmaras do Congresso em 2001, tinha o objetivo de “responder aos vários problemas de saúde reprodutiva de forma integrada”, disse Junice L. Demeterio-Melgar, diretora executiva do Likhaan, centro para os direitos das mulheres. “Especificamente, queria chamar a atenção para uma série de temas tabu, como saúde reprodutiva adolescente, cuidados médicos após o aborto e educação sexual”, enfatizou.

“Era necessária uma lei para oficializar o enfoque integrado de saúde e direitos humanos”, acrescentou Junice à IPS. A não aprovação do projeto afetará especialmente os mais vulneráveis das Filipinas, onde 20% da população vive com menos de US$ 1,25 por dia. “As mulheres ricas querem um filho e têm dois, e as mais pobres querem quatro e têm seis”, destacou, acrescentando que “a gravidez não desejada faz com que as famílias pobres e as com mais de três filhos tenham dificuldades para manter os pequenos e enviá-los à escola”. Envolverde/IPS