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Pequenas represas passam de heroínas a vilãs no Brasil

Usina hidrelétrica. Foto: Reprodução/ider.org

Rio de Janeiro, Brasil, 11/9/2012 – A decisão judicial de suspender a construção de pequenas centrais hidrelétricas na bacia brasileira do Rio Paraguai colocou em xeque uma alternativa energética em expansão e considerada, até há pouco tempo, a menos prejudicial para o meio ambiente. A justiça federal, a pedido do Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul, ordenou a suspensão no Estado das obras, em andamento ou projetadas, deste tipo de represa até que seja avaliado seu possível impacto ambiental.

Os estudos disponíveis se referem ao impacto ambiental de cada obra, mas, segundo os promotores, é preciso avaliar esse efeito de maneira integrada. A decisão judicial considerou que as pequenas centrais hidrelétricas (PCH) podem causar danos irreversíveis, como a alteração do ciclo do Pantanal, uma das maiores áreas de terras úmidas do mundo, com mais de 230 mil quilômetros quadrados, localizado no sudoeste do Brasil, norte do Paraguai e leste da Bolívia.

Por sua vez, essas alterações poderiam causar impactos em todo o bioma, afetando as quatro mil famílias que dependem dessa bacia para sobreviver, com atividades como turismo, agricultura e pesca. “É quase intuitivo, inclusive para os leigos, que o represamento de água em vários pontos do rio muda a intensidade de fluxos e refluxos. O que está em jogo é a história do Pantanal”, afirmou Daniel Fontenele Sampaio, do Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul, sobre essa região protegida e declarada Patrimônio Natural da Humanidade.

Apenas na bacia do Alto Paraguai, há mais de 113 projetos de PCH, 30 deles em operação, além de outras dez centrais maiores. O Instituo Brasileiro de Meio Ambiente avalia outras 20 iniciativas similares nos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

A Agência Nacional de Energia Elétrica define como PCH represas de pequeno porte, cuja capacidade instalada fique entre um e 30 megawatts e sua represa ocupe extensão inferior a três quilômetros quadrados. Segundo o Portal PCH, que representa o setor, trata-se de uma alternativa usada principalmente em rios de curta e média extensões e que possuem desníveis significativos, capazes de gerar uma potência hidráulica suficiente para mover as turbinas.

“No caso do Pantanal, há impactos notáveis porque rompem o ciclo natural dos fluxos e refluxos do reservatório”, explicou à IPS o físico Roberto Kishinami, especializado no uso sustentável dos recursos naturais. A entrada em operação de tantas PCH implica manter inundada uma área grande e muito plana de maneira permanente, “em um lugar onde o período de seca é fundamental para o ciclo de vida de vários animais, como peixes e pássaros”, ressaltou.

O Brasil possui 423 PCH em operação, que geram cerca de 4,1 milhões de quilowatts, 3,5% do total da energia produzida por via hidráulica no país, segundo dados oficiais. Além disso, há 52 em construção e outras 130 foram autorizadas em licitações desde 1998. “As pequenas centrais sempre foram objeto de discussão”, disse Kishinami. Basicamente porque seus impactos às vezes são maiores em proporção do que os das grandes centrais, considerando indicadores como “área inundada por quilowatt instalado ou por energia efetivamente gerada, ou ictiofauna (peixes) afetada por quilowatt”, entre outros, acrescentou.

O questionamento judicial das PCH surge quando grandes projetos de hidrelétricas, como Belo Monte, no Rio Xingu, e no Estado do Pará, também sofrem críticas de ambientalistas e idas e vindas nos tribunais. O Ministério de Minas e Energia promove opções alternativas como as PCH por seus supostos menores impactos ambientais. Atualmente, as hidrelétricas em seu conjunto representam 75% da oferta elétrica do país. O plano de expansão energética prevê aumento progressivo até 2020 das fontes alternativas de energia, para passar dos atuais 9% da matriz nacional para 13%. As PCH chegariam a quase 3,8% desse total.

A Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), que reúne a grande maioria das PCH, indica que estas representam “potencial significativo, com capacidade para contribuir com a matriz nacional de forma sustentável e limpa”, mas enfrentam desafios econômicos e regulatórios que são obstáculos no caminho. “O Brasil não pode deixar de explorar uma fonte de energia elétrica limpa, renovável e sustentável, que se localiza perto dos centros de carga e por isso não acarreta custos adicionais de transmissão”, defende no site da Abragel o especialista Charles Lenzi, que não pôde dar entrevista à IPS por estar viajando por várias cidades do país.

Por sua vez, Pedro Bara Neto, do capítulo brasileiro da organização conservacionista internacional WWF, afirmou que, “teoricamente”, as PCH teriam menos impacto ambiental do que outras fontes. Mas, isso “não pode ser assumido como uma verdade absoluta”, alertou. Tal benefício dependerá da quantidade de PCH e de sua localização, “ou seja, do impacto acumulativo e de onde estiverem”, disse Bara à IPS, questão que considera “central” no caso da proliferação de pequenas centrais na região do Pantanal.

Este ativista do WWF Brasil mencionou alguns pontos negativos das PCH, como o fato de fragmentarem os rios (normalmente estão nas cabeceiras), reduzirem nos trechos o fluxo de água e o custo energético ser alto. Diante dos problemas apontados com as PCH, a pergunta é quais outras opções restam para aumentar a oferta energética. Bara considera que a melhor alternativa é a “diversificação” de fontes alternativas, que também contemplem projetos de PCH.

Nesse leque entrariam ainda as fontes eólicas, térmicas à base de bagaço de cana (a maioria bem perto do mercado consumidor, com no caso da cidade de São Paulo), solar e “inclusive hidrelétricas de maior porte, desde que sejam o resultado de um cuidadoso estudo de localização e de viabilidade técnica e econômica”, ressaltou Bara. “O que podemos fazer, acrescentou, é aumentar nossa vulnerabilidade às mudanças climáticas ao aumentarmos nossa dependência de grandes projetos distantes e menos eficientes do ponto de vista da segurança, como as represas da planície amazônica”.

Kishinami, por sua vez, admitiu que as alternativas adequadas do ponto de vista ambiental estão ficando escassas, “principalmente porque já exploramos bastante os recursos naturais”. Por isso, destacou que se trata de uma oportunidade de aumentar a eficiência no uso da energia disponível. Nesse sentido, o cientista e ambientalista criticou a política de Dilma Rousseff, pois está “indo na direção errada. Quer reduzir impostos, o que é bom quando feito com critério, para reduzir os custos de energia da indústria, o que, nesse caso, é um incentivo à ineficiência”. Para Kishinami, o melhor seria apoiar o aumento da eficiência energética da indústria, para dessa forma reduzir custos e aumentar a competitividade. Envolverde/IPS