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Inimigo oculto espreita a Líbia

Milicianos patrulham uma rua de Misurata. Foto: Mel Frykberg/IPS

 

Trípoli, Líbia, 18/9/2012 – A revolução pode ter terminado oficialmente na Líbia, mas as mortes violentas continuam. Um inimigo imóvel e, em geral, encoberto, continua prejudicando ou tirando a vida de centenas de pessoas. “Embora o fogo tenha cessado, as minas terrestres, os explosivos não detonados, e as munições mal armazenadas continuam representando um grave risco para a vida da população civil, o que pode ter sérias implicações na segurança internacional”, segundo o Serviço das Nações Unidas de Atividades Relativas às Minas (Unmas).

“Duzentos e dez líbios morreram ou foram feridos desde o fim da guerra”, disse Elena Rice, do Unmas, em conversa com a IPS. Porém, o diretor de programas dessa agência, Max Dyck, acredita que os números não mostram a realidade. O país também está repleto de armas pequenas. “Cerca de 20 milhões de armas ainda circulam livremente na Líbia”, disse Emilie Rolin, da organização Handicap International, à IPS. “Entre três e cinco vítimas ainda chegam ao hospital de Trípoli a cada dia”, ressaltou. A Handicap International é uma organização independente que trabalha em situações de pobreza e exclusão, conflitos e desastres. Atualmente, realiza projetos de remoção de minas terrestres na Líbia.

“A proliferação de todo tipo de armas pequenas entre a população civil, que não tem treinamento para usá-las, aumentou os acidentes, que poderiam ter sido facilmente prevenidos com medidas específicas”, pontuou Rolin. Depois da guerra civil que acabou com o regime de Muammar Gadafi (1969-2011), centenas de milhares de refugiados voltaram para suas casas em áreas que tinham sido bombardeadas ou onde foram colocadas minas terrestres, encontrando explosivos remanescentes em suas casas, nos jardins e locais de trabalho. Os mais jovens são os mais afetados.

“Por exemplo, em Misurata (140 quilômetros a leste de Trípoli) um terço dos acidentes é protagonizado por menores de 14 anos, e quase 80% das vítimas registradas são civis com menos de 23 anos. Os jovens, portanto, ficam com a carga desses acidentes”, segundo a Handicap International. Até agora, 24 equipes de remoção de minas e outras 29 que ensinam sobre riscos, com um total de 300 funcionários, destruíram 191 mil explosivos e limparam 2.650 casas e 75 escolas. Também instruíram cerca de 153 mil líbios em medidas de segurança.

No entanto, não é possível determinar o alcance dos explosivos. “Não há forma de quantificar esta informação, já que não são mantidos registros precisos. Mesmo antes do conflito, a Líbia estava contaminada por campos minados herdados da Segunda Guerra Mundial” (1939-1945), disse Rice à IPS. “As minas terrestres foram usadas durante vários conflitos regionais, pois protegiam as fronteiras e os postos militares estratégicos”, explicou. A Líbia estava cheia de artefatos explosivos sem detonar antes da revolução e da campanha de bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) do ano passado, mas a situação se agravou significativamente desde então. Em março de 2011, surgiram os primeiros informes de que forças de Gadafi estavam instalando novas minas no território.

Os enfrentamentos entre as forças do antigo regime e os rebeldes abriram a porta para um grande fluxo de armas pequenas, que agora são usadas pelas milícias rivais para resolverem suas diferenças, mas também por muitos civis. “Os civis não estão acostumados a utilizar essas armas, e sabem muito pouco, ou nada, sobre os cuidados básicos de segurança. É comum usarem em comemorações, inclusive em casamentos. Os anfitriões disparam para o ar para demonstrar sua alegria”, afirma a Handicap International.

A situação se agrava pelo fato de a Otan não dar informação completa sobre os explosivos que utilizou no ano passado. A aliança afirmou que durante sua campanha aérea lançou cerca de 7.700 mísseis e bombas. Aproximadamente 303 não funcionaram. A maioria foi lançada de aviões, seis de helicópteros e quatro a partir de barcos. A Otan divulgou uma lista de explosivos sem explodir na Líbia, fornecendo latitude e longitude para localizá-los, o peso e uma descrição de como transportá-los. Contudo, especialistas afirmam que isto não é suficiente para proteger os civis.

Apesar dos sofisticados sensores usados pelos aviões da Otan para registrar o impacto de um míssil ou uma bomba, a aliança se nega a fornecer a informação exata de onde estão os que não explodiram. Esta informação permitira aos governos e às organizações envolvidas alertar o público sobre os lugares onde correm riscos e remover os explosivos. Envolverde/IPS