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Laços entre Estados Unidos e Egito sobrevivem à crise

Partidários de Morsi comemoram sua vitória eleitoral em junho, na Praça Tahrir. Foto: Khaled Moussa al-Omrani/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 18/9/2012 – A atenção internacional mudou da Líbia para o vizinho Egito, concentrando-se esta semana em como o governo do presidente Mohammad Morsi enfrenta os protestos contra os Estados Unidos. Cinco dias depois das manifestações que destruíram as paredes da embaixada de Washington no Cairo, durante as quais a bandeira norte-americana foi substituída por outra que a mídia identificou como sendo da rede extremista islâmica Al Qaeda, parece que as relações bilaterais sobrevivem.

Conforme regressa a calma à capital do Egito após três dias de protestos, aparentemente motivadas por um filme amador produzido por um norte-americano e que difama o profeta Maomé, funcionários dos Estados Unidos expressam moderada satisfação pela forma com o governo de Morsi respondeu à crise.

O ataque, no dia 11, à embaixada dos Estados Unidos no Cairo – que teria inspirado um assalto ao consulado norte-americano na cidade líbia de Bengasi, no qual morreu o embaixador Chris Stevens e outros três funcionários – desatou furiosos chamados de alguns analistas e legisladores de direita nos Estados Unidos para suspender imediatamente a ajuda financeira ao Egito.

Também pediram o bloqueio de um empréstimo pendente de US$ 4,8 bilhões por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI) para ajudar a resgatar a instável economia egípcia. Estas medidas foram propostas para castigar Morsi por não ter prevenido ou, pelo menos como fez o governo líbio, condenado rapidamente a violência. O Congresso norte-americano prevê votar esta semana um pacote de alívio da dívida egípcia no valor de US$ 1 bilhão.

Alguns criticaram o fato de Morsi demonstrar maior solidariedade com os manifestantes pelo polêmico filme, cujo trailer foi colocado no YouTube, do que condenar a violação das normas diplomáticas. Contudo, suas demandas foram rapidamente rejeitadas pelo governo de Barack Obama, ainda que o próprio presidente tenha pressionado de forma privada seu colega egípcio para que tomasse medidas mais enérgicas para aliviar as tensões. Além disso, alguns influentes membros do opositor Partido Republicano foram mais moderados e disseram que Washington investiu muito para proteger suas relações com o governo do Egito para cortá-las agora.

“Devemos evitar uma islamofobia indiscriminada, e, por outro lado, distinguir entre os que querem matar norte-americanos e aqueles que não gostam do Ocidente mas estão interessados principalmente em construir suas sociedades após décadas de ditadura”, escreveu no jornal The Washington Post, o analista neoconservador Robert Kagan, da Brookings Institution. “Se a economia do Egito sucumbir, deixará a nação menos radical?”, perguntou. “É mais provável que se respeite o tratado de paz com Israel? É mais provável que seja uma força de moderação no Oriente Médio?”, questionou.

Graças à sua grande população, de 86 milhões de habitantes, sua influência histórica e localização estratégica, o Egito foi visto por muito tempo pelos políticos norte-americanos como o sócio mais importante de Washington no mundo árabe, junto com a Arábia Saudita. Desde que assinou os Acordos de Camp David com Israel, em 1979, Cairo vem sendo o segundo maior beneficiário de ajuda por parte de Washington, depois de Israel, recebendo uma média de mais de US$ 2 bilhões por ano em ajuda bilateral, a maior parte para a área da defesa.

Durante praticamente todo esse período o Egito foi governado por Hosni Mubarak (1981-2011), ex-general da Força Aérea que manteve o país aliado do Ocidente, mesmo quando esporadicamente desafiou a pressão dos Estados Unidos e da União Europeia para que implantasse reformas democráticas. Quando os protestos contra seu governo aumentaram, a administração Obama, embora com certa preocupação, se colocou do lado dos manifestantes.

Ao mesmo tempo, Obama mudou a histórica política norte-americana e manteve diálogo com membros da Irmandade Muçulmana, que foram severamente reprimidos durante o regime de Mubarak e cujo subsequente êxito nas urnas, junto com o do salafista (integrista) Partido Nour, surpreendeu muitos analistas. Estes preferiam os liberais, mais próximos do Ocidente e que haviam liderado as fases iniciais da revolta contra Mubarak.

Desde o princípio, a aproximação do governo Obama com a Irmandade Muçulmana e seu apoio a Morsi em uma série de atritos com os militares foram criticados por muitos neoconservadores e líderes da direita cristã norte-americana, preocupados pela histórica hostilidade dos islâmicos contra Israel e os Acordos de Camp David.

“O verdadeiro rosto da mal chamada Primavera Árabe, tão entusiasticamente apoiada por Obama, é inegável”, escreveu Caroline Glick, do neoconservador Center for Security Policy, no The National Review. “O governo de Obama teve um papel central na derrubada de regimes alinhados com os Estados Unidos e em sua substituição por regimes hostis”, pontuou Glick, também editora do The Jerusalem Post.

“Ninguém deveria considerar o Egito muito valioso para perdê-lo”, escreveu Michael Rubin, do também neoconservador American Enterprise Institute, pouco depois do ataque à embaixada no Cairo. “Apoiar um governo da Irmandade Muçulmana permite aos líderes egípcios reduzir suas responsabilidades por ações e provocações”, destacou.

Para estes críticos, o ataque contra a embaixada foi o último de uma série de incidentes que despertam dúvidas sobre a confiabilidade de Morsi. O próprio Obama disse estar decepcionado porque seu colega egípcio não condenou imediatamente o ataque à embaixada, e afirmou que o Egito não é um país “aliado” nem “inimigo”, mas um “trabalho em curso”.

Obama fez essas declarações depois que o jornal The New York Times informou que o presidente norte-americano havia telefonado para Morsi alertando que a assistência e as relações bilaterais seriam afetadas se Cairo não protegesse a embaixada dos Estados Unidos e perseguisse os atacantes. Segundo o jornal, a intervenção de Obama teve efeito. No dia 13, Morsi disse publicamente: “É nosso dever religioso proteger nossos hóspedes e aqueles que vêm de fora”. Também exortou os manifestantes a “manterem as vias pacíficas que todo o mundo aceita”. Envolverde/IPS

* O blog de Jim Lobe sobre política externa pode ser lido em www.lobelog.com.