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Primavera Árabe não dá frutos democráticos

Foto: aliadoaverdade

Washington, 20/9/2012 – Quase dois anos depois da onda de levantes populares no Oriente Médio e no norte da África, conhecida por Primavera Árabe, ativistas pelos direitos humanos alertam para um retrocesso em vários países dessas regiões e em outras. “Há sinais promissores de progressos democráticos nas regiões historicamente dominadas por regimes brutais e autoritários. Contudo, esta mudança drástica reflete uma tendência mais ampla para a democracia e a boa governança em todo o mundo?”, pergunta um novo informe do grupo de direitos humanos Freedom House. “As descobertas sugerem que não”, acrescenta o estudo Países na Encruzilhada 2012.

O informe anual se concentra em 35 países (de um total de 70) cujos governos são analisados com desempenho “baixo e médio”, sendo avaliados desde o ano passado em uma série de indicadores. “Os retrocessos excedem de longe os avanços, tanto em número quanto em escala”, afirma o documento da Freedom House, destacando “grandes quedas” em matéria de responsabilidade governamental e quanto ao império da lei. Segundo esses indicadores, a situação da democracia no Egito parece estar hoje em um nível semelhante ou pior em relação a antes da queda do regime de Hosni Mubarak (1981-2011), e se deteriora no Bahrein, Sri Lanka e Vietnã, enquanto a Tunísia é elogiada por ter realizado importantes reformas.

“A deterioração geral é causa de alarme entre os defensores da democracia”, afirma Freedom House. Os pesquisadores apontaram particularmente a debilidade das instituições de governo. A maioria desses países pelo menos tem eleições regulares, único indicador que cresceu nos últimos anos, segundo a organização. Os projetos internacionais para esses países se concentraram apenas em fomentar eleições, dando muito menos atenção a outros esforços adicionais para melhorar a governança, particularmente o fortalecimento das instituições.

“A agitação que sacudiu o Oriente Médio nos últimos dois anos, inclusive na semana passada, demonstra a absoluta necessidade de uma completa revisão das instituições que influem na governança democrática”, opinou o presidente da Freedom House, David. J. Kramer, ao apresentar o informe no dia 17. “A importância da governança democrática para uma ajuda ao desenvolvimento bem-sucedida não pode ser ignorada”, destacou. “A Primavera Árabe os recorda que, enquanto os governos minimizam a necessidade de instituições democráticas plenas, e se focam em garantir que a ajuda estimule o crescimento econômico, os habitantes desses países entendem o valor de uma governança justa e aberta”, acrescentou.

Por décadas os doadores bilaterais e multilaterais foram, e continuam sendo em grande parte, reticentes em participar de atividades vinculadas à política. Mas hoje existe uma crescente compreensão de que a maioria das metas de desenvolvimento não pode ser alcançada sem maior financiamento e planejamento de temas relacionados com a governança.

A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) foi o primeiro importante doador a entrar na esfera política, e isso ocorreu há apenas duas décadas. Esta opção foi menosprezada por outros doadores e vista com ceticismo pelos que a interpretaram como uma simples tentativa de Washington de influenciar a política de outros países. Entretanto, hoje os temas de transparência e governança são discutidos nos círculos de ajuda ao desenvolvimento em todo o mundo.

“É um momento de responsabilidade democrática, um momento incrível”, disse David Yang, da Usaid. “Muitas organizações de desenvolvimento chegaram à conclusão de que não podem promover o desenvolvimento social e econômico com êxito sem direitos humanos e uma governança democrática”, apontou. No entanto, ainda hoje, dos cerca de US$ 130 bilhões que os doadores destinam à ajuda internacional, apenas 9,5% vão para programas de governança.

“Quando se pergunta aos profissionais qual o principal fator de atraso dos programas de desenvolvimento, habitualmente dizem que é a má governança”, indicou Brian Atwood, presidente do Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento (OCDE). Desses 9,5%, disse Atwood citando suas próprias pesquisas, apenas 1% é usado em planos de apoio às legislaturas, outro 1% em temas de transparência e luta contra a corrupção. “Alguém pode perguntar se estas porcentagens respondem a uma necessidade ou ao que é mais cômodo para os doadores. Devemos nos questionar se esta distribuição de ajuda apoia a agenda de governança democrática”, ressaltou.

“Sempre que falamos em programar dinheiro, estamos falando de política em uma sociedade influenciando as relações de poder”, disse, por sua vez, Joseph Siegle, diretor de pesquisas no Africa Center for Strategic Studies, com sede em Washington. “Portanto, temos que nos dar conta de que, no final, o desenvolvimento sempre é um processo político”, enfatizou. Envolverde/IPS