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A crise não pode com as salinas do sul

Fase final de seleção de flor de sal em Castro Marim. Foto: Katalin Muharay/IPS

 

Castro Marim, Portugal, 24/9/2011 – Com o mercado interno profundamente deprimido, uma alternativa promissora em Portugal parece ser o incentivo às exportações tradicionais que, devido à sua alta qualidade ou sua singularidade, não enfrentam a feroz competição externa. A chamada flor de sal é um desses produtos. A recomendação da maioria dos economistas, incluídos simpatizantes do governo, é retomar as vendas daqueles produtos nos quais Portugal se distingue, como calçados, laranjas, cortiça, vinhos e sal marinho, entre os mais mencionados.

Tal como o leite, o sal marinho tem seu creme: a chamada flor de sal, utilizada pelos chefes dos melhores restaurantes do mundo e que na Grã-Bretanha é vendida como “caviar dos sais”. A extração do sal marinho é exemplo de uma atividade tradicional em desenvolvimento que se apresenta como uma alternativa de sucesso diante da crise. a IPS visitou as salinas da localidade de Castro Marim, a 330 quilômetros de Lisboa, na região meridional de Algarve, que conta com condições especiais de produção.

Jorge Filipe Raiado, proprietário e gerente da pequena mas emblemática empresa Salmarim, encontrou um nicho de negócios ao centrar seus esforços na produção e exportação de flor de sal, um produto mais rentável do que o sal tradicional. O sal marinho é produzido somente no verão e não se armazena. “A expansão das exportações se baseia essencialmente nos chefes de cozinha, que exigem para seus pratos um produto de primeira qualidade, como é a flor do sal”, disse à IPS.

A contração é nítida em quase toda a Europa, e de maneira contundente na vizinha Espanha, principal sócia comercial de Portugal, mas Raiado reconhece que em seu ramo “a crise não é muito sentida”, e acrescenta: “É verdade que existe e, talvez, sem as dificuldades atuais tivéssemos mais clientes, mas o certo é que estamos crescendo, devido principalmente às exportações”.

O que é flor de sal?, perguntou a IPS. “Quando o leite ferve há uma diferença de temperatura entre o líquido e o ar, e se forma uma película frágil de nata, que facilmente se desintegra sob pressão entre os dedos. A flor de sal é exatamente a mesma coisa”, explicou. Este produto é de coalho cristalino, úmido, formado por aglomerados de microcristais, que não mudam o sabor dos alimentos, mas produzem uma explosão de sabores, ao contrário do sal refinado industrial insípido.

Um quilo de flor de sal custa US$ 25 em Portugal, mas no exterior chega até a US$ 129, por isso é um negócio lucrativo para exportar para Espanha, França, Polônia, Alemanha, Estados Unidos, Canadá, Dinamarca, Suíça, Bélgica, Grã-Bretanha e Hungria, que são os principais destinos. Sua competidora mais próxima é a francesa Fleur de Sel.

As vendas da Salmarim não são de grande volume, apenas oito toneladas ao ano de flor de sal, mas a criatividade e a tenacidade de Raiado para encontrar caminhos diante da crise várias vezes são citadas como um exemplo de sucesso. A promoção da flor de sal de qualidade se centra na distinção da marca e do produto como matéria-prima associada a chefes internacionalmente reconhecidos, que são a melhor carta de apresentação do produto. Hoje, o caviar húngaro é embalado com flor de sal comprada da Samarim, por exemplo.

Raiado admite que o produto pode ser mais caro, mas suas vantagens residem em sua origem, nas salinas da Reserva Natural de Castro Marim, “que garante um produto tradicional com melhor qualidade do que o sal industrial refinado da concorrência”, acrescentando-se que não tem efeitos secundários para a saúde, especialmente para a pressão arterial.

Portugal consagrou o sal como uma das exportações de sucesso para paliar os efeitos da tempestade econômico-financeira, a pior que Portugal já sofreu desde a instauração da democracia em 1974. Com uma amostra dessa crise, dados do Ministério da Justiça divulgados em julho indicam que 10.379 empresas fecharam suas portas no primeiro semestre do ano, 33% mais do que no mesmo período de 2011.

Desde o início do novo governo há 15 meses, a administração do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, se empenha a fundo em aplicar a receita ditada pela União Europeia, pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Central europeu. Em troca de US$ 110 bilhões para resgate das finanças públicas, esta troika de credores exigiu redução máxima dos salários, aumento considerável dos impostos, reduzir as contribuições para a Assistência Social das empresas e aumentar a dos trabalhadores, para converter Portugal em um país competitivo através da mão de obra barata.

Este modelo de “empobrecer para competir só pode existir na cabeça de economistas dogmáticos”, diz o historiador Rui Tavares, deputado dos Verdes no Parlamento Europeu, em uma coluna de opinião publicada no dia 17 pelo jornal Público. Na verdade, todas as diretrizes da UE, do FMI e do governo de Passos Coelho falharam, e a economia segue em um preocupante ritmo descendente, com desemprego na casa dos 15,8% da população economicamente ativa, inédita em Portugal.

O peso das exportações portuguesas em 2011, segundo estudo do Banco do Espírito Santo divulgado no começo do ano, representou 35% do produto interno bruto e a previsão para o fechamento de 2012 é de 37%. Dados do Banco de Portugal e do Instituto Nacional de Estatísticas indicam que nos primeiros sete meses deste ano as exportações de bens e serviços chegaram a US$ 48,5 bilhões, 6,5% mais do que em igual período de 2011, mostrando, assim, o melhor desempenho dos últimos cinco anos.

O déficit da balança comercial chegou, nos sete primeiros meses do ano passado, a 8,5% do PIB, mas no mesmo período deste ano caiu para 1,8%. A última vez que Portugal chegou ao equilíbrio exterior foi há 70 anos. A empresa de Raiado é pequena e, portanto, ainda não incide por si só na luta por postos de trabalho nem na queda do déficit, mas seu exemplo é grande e seu crescimento bastante promissor. Em 2010, ano dos últimos dados disponíveis, Portugal produziu US$ 44.574 toneladas de sal marinho, 10,5% delas de flor de sal. Isso demonstra que o sal pode ser o salário em tempo de crise, ao menos no sul de Portugal.  Envolverde/IPS