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Índia dividida quanto à presença de multinacionais do varejo

Pequenos comerciantes da cidade indiana de Kolkata fecham seus comércios em protesto contra a chegada de grandes redes multinacionais

Kolkata/Nova Délhi, Índia, 4/10/2012 – Milhares de comerciantes do mercado Stuart Hogg, na cidade indiana de Kolkata, só falam sobre uma coisa: o que farão quando as empresas transnacionais invadirem seu histórico centro comercial. Também conhecido como Novo Mercado, o local foi aberto em 1874 quando Kolkata ainda era a capital da Índia, sob domínio britânico, e desde então tem sido reduto de vendedores locais e tradicionais. Agora, suas ruas são um fervedouro de dúvidas com relação ao impacto da decisão do primeiro-ministro, Manmohan Singh, de aprovar uma reforma para permitir 51% de investimento estrangeiro direto no comércio varejista, o que, de fato, abre as portas para as redes gigantes de supermercados, entre outras companhias multinacionais.

O governo de Singh afirma que sua decisão, que afeta os setores varejista, aviação e radiodifusão, tem o objetivo de reativar o crescimento e a confiança da atual terceira economia da Ásia. Porém, os pequenos comerciantes afirmam que preparará o caminho para que multinacionais, como a norte-americana Walmart, a britânica Tesco e a francesa Carrefour, explorem o enorme mercado de consumo da Índia, estimado em cerca de US$ 500 bilhões.

“Estou totalmente contra as reformas, que nos matarão”, protestou Rajkumar, comerciante de Dhakuria, no sul de Kolkata, cujo comércio está repleto de todo tipo de artigos de papelaria imagináveis. Além do Partido Comunista e do nacionalista hindu Bharatiya Janata, o anúncio feito pelo governo em setembro motivou uma dura reação do Congresso Trinamool, segunda maior agrupação da coalizão de governo, que anunciou a retirada de seu apoio à administração de Singh e pediu a renúncia de seus ministros centrais.

A Confederação de Comerciantes Toda Índia (Cait) também está muito preocupada. Anil Sharma, seu coordenador da comissão de pesquisa de investimentos diretos estrangeiros, disse que uns poucos vendedores poderiam melhorar com as reformas, mas muitos outros perderão. “O governo deve explicar o impacto que as reformas terão nos comerciantes, agricultores, pequenos e médios empresários e consumidores”, disse Sharma à IPS. “Deveria haver uma autoridade reguladora capaz de garantir que os pequenos comerciantes não sofram e que sejam construídas câmaras frigoríficas e armazéns para aumentar a infraestrutura”, opinou.

A previsão do governo de que o investimento direto estrangeiro criará cerca de dez milhões de postos de trabalho em três anos, quatro milhões diretos e o restante em logística, é “muito imaginativa”, segundo Sharma. “Para criar quatro milhões de empregos na Índia em três anos, mesmo o Walmart, que tem a maior média de funcionários por loja, terá que abrir 18.600 supermercados, ou 644 locais em cada uma das 53 cidades ontem tem autorização para funcionar”, acrescentou. Sharma destacou que “as experiências globais mostram claramente que, em lugar de gerar empregos, as megacorporações, na verdade, os reduzem”.

A economista Jayati Ghosh disse à IPS que “as operações globais do Walmart exigem muito capital. Transformarão totalmente a cadeia de fornecimento e não será bom para o emprego”. Esta professora da Universidade Jawaharlal Nehru, de Nova Délhi, explicou que “seu impacto sobre o mesmo será negativo, pois a maioria dos 40 milhões de empregados no setor varejista é autônoma, e não poderão competir com os grandes supermercados”.

“Uma loja do Walmart pode substituir cerca de 1.400 lojas pequenas que geram cinco mil postos de trabalho”, acrescentou Ghosh. “O que podemos reclamar do governo agora é a criação de infraestrutura para armazenar a colheita. Deveria haver mais câmaras frigoríficas e armazéns”, enfatizou. O vice-presidente da Comissão de Planejamento da Índia, Montek Singh Ahluwalia, disse em entrevista ao canal CNN IBN, no final de setembro, que “temos um setor varejista muito ineficiente em que os agricultores recebem muito pouco e os consumidores pagam muito”.

“Se querem modernizar devem querer maior pressão a favor da qualidade do emprego”, declarou Singh, grande defensor das reformas. “O varejo moderno produz melhor qualidade de emprego. Se o setor diminui de aproximadamente 1% e o produto interno bruto cresce 8% ou 9%, haverá novos postos de trabalho em muitas áreas diferentes”, acrescentou.

Vários industriais estão a favor da medida. Segundo Rajkumar N Dhoot, presidente da Câmara de Indústria e Comércio Associada da Índia, a iniciativa também vai melhorar a imagem deste país aos olhos dos investidores estrangeiros. “Vivemos em um mundo globalizado. Todos sabem o quanto é precária a economia global e o impacto que nossas exportações, nossos produtos e serviços sofreram nos mercados ocidentais”, acrescentou, referindo-se à necessidade de aumentar o investimento direto estrangeiro.

Inclusive alguns comerciantes do Novo Mercado parecem não se importar com a iminente chegada de competição maciça. “Não creio que Walmart possa nos matar”, disse Subir Saha, que tem uma loja de louças e artigos de cozinha no local. “Fomos afetados pela chegada dos centros comerciais, mas sobrevivemos e estamos aqui”, disse à IPS. “As pessoas compram da gente por várias razões, desde o preço baixo até as coleções únicas”, disse à IPS o dono de uma loja de roupas, Farhad Ali.

“No começo a situação melhorará para alguns demandantes por empregos e consumidores. Mas isso fará parte de uma estratégia das companhias para se estabelecerem no mercado”, disse Ghosh. “Uma vez instaladas, começarão a fazer o desagradável”, observou, dando como exemplos Malásia e Tailândia, onde os pequenos comerciantes e agricultores sofreram o impacto da chegada das multinacionais do setor varejista. Envolverde/IPS