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Eleições municipais, perigoso round para o PT

Rio de Janeiro, Brasil, 3/10/2012 – As eleições municipais do dia 7 poderão marcar com fogo o Partido dos Trabalhadores (PT), desgastado por quase dez anos no governo federal, alianças conflituosas, um julgamento político e a mudança de relações entre a estrutura dirigente e a administração de Dilma Rousseff. As pesquisas sobre intenção de voto para as eleições que renovarão os prefeitos de mais de cinco mil municípios auguram a possível derrota do partido que sustenta o governo de Dilma em cidades importantes como Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife e até São Paulo, que tem o maior colégio eleitoral.

Uma personalidade sem tradição de militância política, o apresentador de televisão Celso Russomano, irrompeu na competição pela prefeitura paulista para colocar em risco 35 anos de lutas e tradição política do PT, que tem como candidato local Fernando Haddad. O famoso rosto da TV Record, da poderosa Igreja Universal do Reino de Deus, aparece em primeiro lugar nas pesquisas, enquanto o PT luta palmo a palmo por um distante segundo lugar com o Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), seu tradicional rival.

Caso esse resultado seja confirmado nas urnas, será uma derrota muito significativa por se tratar de uma cidade que eleitoralmente é “a joia da coroa”, segundo disse em entrevista à IPS a especialista em política Maria Celina D’Araújo, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. É que o PT chegou a renunciar a apresentar candidaturas próprias em várias cidades importantes para não perder, na competição por São Paulo, o apoio de todos seus aliados em nível nacional, explicou D’Araújo.

Na outra capital eleitoral importante, Rio de Janeiro, o PT apoia o centrista Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Mas o PT não tem dificuldades apenas para enfrentar este primeiro turno em São Paulo, mas também parece ter perdido apoios pelo caminho em outras cidades. “Essas alianças impostas pela coordenação nacional do PT em função de algumas cidades estratégicas gerou tamanho descontentamento em sua militância que em alguns Estados, como Rio de Janeiro, estão fazendo campanha para outros partidos”, pontuou D’Araújo.

O sociólogo Giuseppe Coco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concorda que, nesta “etapa delicada” que o PT atravessa, esses tipos de alianças com partidos que tipifica como “conservadores” teve seus custos. A isso se somaria o desgaste produzido por uma década de “pragmatismo” no governo brasileiro, e a “passagem de Lula para Dilma, que implicou novas relações entre partido e governo”.

Dilma não tem a mesma história partidária nem a mesma postura na gestão dos acordos políticos que sustentam a coalizão”, apontou Coco. “Nesse hiato há uma multiplicação de candidaturas de pequenos partidos da coalizão no governo (o Partido Socialista Brasileiro, em particular) que contribuem para enfraquecer o PT, particularmente na campanha municipal”, destacou.

William Gonçalves, professor de ciências políticas da UFRJ, concorda que o PT sofre “o desgaste natural que afeta todos os que exercem o poder por longos períodos”. Apesar dos êxitos visíveis, com o fato de 35 milhões de brasileiros terem subido para a classe média, o partido governante enfrenta “descontentamentos” vários, entre outros dos funcionários públicos, insatisfeitos com seus salários, detalhou Gonçalves à IPS.

Para este especialista, a ideia que começa a circular é que o PT teria deixado de ser “excepcional” para ser “um partido como qualquer outro”. Uma ideia que, por outro lado, foi reforçada pela campanha “obstinada dos meios de comunicação conservadores contra o partido, explorando o episódio do mensalão”, segundo o professor. O escândalo chamado mensalão estourou em 2005, envolvendo alguns dirigentes principais do PT e de partidos aliados, pelo suposto desvio de recursos públicos para “comprar” votos no parlamento.

Para o PT, a tentativa de envolver até mesmo o ex-presidente Lula como suposto chefe do esquema irregular, trata-se de uma “manobra política” com fins eleitorais. Como contraofensiva, o partido apelou para figuras de peso. Na reta final da campanha, Lula e Dilma participam de atos eleitorais para as principais prefeituras, incluindo São Paulo. Entretanto, Lula, convalescente de um tratamento contra câncer de laringe do qual os médicos garantem não haver mais indícios, carece atualmente da mesma capacidade de “transferir votos” que teve no passado para ajudar Dilma a chegar à Presidência do Brasil.

“Pensei que a capacidade de transferir votos e a popularidade de Lula estivessem mais vigentes, mais fortes, nestas eleições. Embora seja preciso considerar suas limitações de saúde porque quase não participa de atos públicos”, disse o escritor e analista Eric Nepomuceno à IPS. Tampouco Dilma parece ser a aliada ideal nesta ocasião, apesar de seu alto índice de popularidade, ganho “por sua capacidade de gestão e administração”. “A presidente não é uma figura carismática como Lula, boa de tribuna, mas é uma administradora eficaz que seguramente fará governo melhor do que o de seu antecessor, mas isso não transfere votos”, advertiu Nepomuceno.

No entanto, apesar dos sinais de enfraquecimento em curso, esta também não seria a hora para a oposição cantar vitória. Em comunicados com os quais contra-atacou seu suposto colapso eleitoral, o PT disse que, junto de seus aliados, pode obter a vitória em quase dois terços das cidades com mais de 150 mil eleitores. “Estamos longe dos desejos das elites de um enfraquecimento generalizado do PT”, disse Coco.

“Este partido foi, na oposição e também no governo, a expressão da relação entre lutas e representação, e ainda continua tendo esse papel, embora mais debilitado, mostrando evidentes sinais de esgotamento”, acrescentou Coco, para quem “a questão é saber se a renovação passará por fora ou por dentro, e isso somente as lutas que virão poderão dizer”.

Para D’Araújo, a base política do PT continua forte. “Mesmo não saindo vitorioso nas urnas e perdendo prefeituras importantes, não se pode dizer que será derrotado”, assegurou. Historicamente, as eleições municipais no Brasil resolvem assuntos mais pontuais e locais, e pouco têm a ver com a política nacional. “São apenas um laboratório para medir tendências e comportamento do eleitorado”, concluiu a analista da PUC. Envolverde/IPS