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Gaza quer trabalho, não assistência

Um homem tenta ganhar a vida em Gaza vendendo iogurte. Foto: Eva Bartlett/IPS

Gaza, Palestina, 5/10/2012 – “A esmagadora maioria das pessoas com quem trabalhamos nos diz: não queremos ajuda, mas a oportunidade de trabalhar e ganhar dinheiro, especialmente os que tinham um emprego decente e os perderam nos últimos anos”, disse Karl Schembri, da Oxfam Grã-Bretanha. Em seu trabalho como encarregado de comunicações dessa organização em Gaza, Schembri interage habitualmente com alguns dos palestinos mais pobres da Faixa de Gaza, e considera que essa situação pode ser evitada.

“Os males de Gaza são causados pelo ser humano. É uma situação de des-desenvolvimento, onde a infraestrutura e o conhecimento estiveram ali e o desenvolvimento ocorreu”, explicou Schembri à IPS se referindo a antes de 2006. Nesse ano o Hamás (Movimento de Resistência Islâmica) foi democraticamente eleito, mas após sua vitória Israel impôs seu asfixiante sítio à faixa palestina.

“Apesar da ocupação israelense, de algum modo a economia de Gaza se sustentava sozinha, até que foram proibidas as exportações. O maior mercado natural para a Faixa de Gaza, Cisjordânia e Israel, está agora fora de fronteiras, como ocorre com mercados regionais como o da Jordânia”, acrescentou Schembri. O informe Gaza em 2020: um lugar habitável?, divulgado em agosto pela Organização das Nações Unidas (ONU), chega à mesma conclusão. Um dos principais motivos de a economia não poder se recuperar e voltar aos níveis anteriores a 2000 é o bloqueio a Gaza, segundo o estudo.

Ao ter proibidas as exportações de todo tipo, como produtos agrícolas, têxteis, alimentares ou móveis, a vasta maioria das fábricas de Gaza fechou suas portas, afetando centenas de milhares de palestinos antes ali empregados. “A economia de Gaza foi totalmente destruída durante a guerra israelense de 2008-2009 contra a Faixa, incluídos 95% das fábricas e dos comércios”, disse Khalil Shaheen, diretor do Departamento de Direitos Econômicos e Sociais, do Centro Palestino para os Direitos Humanos.

“Com o ilegal fechamento imposto a Gaza por Israel, a proibição total às matérias-primas afetou a capacidade destas fábricas de voltarem a operar”, explicou Shaheen à IPS. Cerca de 80% estão fechadas ou operam minimamente. “A comunidade pesqueira também se viu afetada pelos ataques diários da marinha israelense, e pelo fato de terem negado o acesso ao mar”, acrescentou. Por culpa dessa decisão de Israel, os pescadores palestinos são obrigados a pescar dentro das três milhas náuticas mais próximas da costa de Gaza. “Porém, os pescadores são atacados inclusive a 400 metros da costa”, prosseguiu, lembrando que “os israelenses tentam impedir todos os pescadores palestinos de pescar em águas de Gaza”.

Um informe da ONU de setembro mostra que o desemprego entre os jovens refugiados em Gaza é de 59%, uma estatística alarmante que faz prever que o problema não será solucionado no curto prazo. “O desemprego é resultado das sistemáticas políticas israelenses, que incluem o completo rechaço da força de trabalho de Gaza no mercado de Israel”, pontuou Shahenn. Antes, operários palestinos trabalhavam, por exemplo, no setor da construção em Israel, afirmou. “Os trabalhadores palestinos são altamente qualificados em todos os aspectos da construção”, acrescentou.

Jaber, pai de seis filhos, já não trabalha na agricultura, nem trabalha em Israel, nem em nenhuma das potenciais áreas nas quais está qualificado para fazê-lo. “Há dez anos trabalhava em Israel, como mecânico, em estabelecimentos agrícolas, na construção, em várias coisas. Desde que fecharam as fronteiras não tive um trabalho sólido, apenas trabalhos ocasionais que não bastam para manter meus filhos”, afirmou.

Os poucos trabalhos que ainda restam na Gaza sitiada são alguns dos mais perigosos. Por exemplo, o dos túneis, que são uma fonte de renda para trabalhadores desempregados e suas famílias. Mas o pagamento médio caiu de US$ 100 ou mais para US$ 10”, apontou Shaheen. Os riscos que se corre para ganhar essa miséria são enormes. Segundo os médicos, desde 2006 morreram mais de 160 palestinos trabalhando nos túneis.

“A maioria foi morta ou ferida pelos bombardeios israelenses ou pelo desmoronamento dos túneis e a consequente asfixia ou eletrocução”, disse Shaheen. Nos últimos dois meses, as autoridades egípcias destruíram e fecharam túneis. Shaheen estima que pelo menos 150 foram totalmente destruídos, e outros 150 fechados. “Antes trabalhavam 40 mil pessoas nos túneis, agora são cinco mil no máximo”, afirmou.

“Inclusive as crianças colaboram com a renda de suas famílias. Em toda a Faixa de Gaza os menores estão nas ruas tentando vender chocolate, chiclete e miudezas”, acrescentou. E, o que é pior, catam os escombros das casas destruídas nas regiões fronteiriças de Gaza, correndo o risco de serem alvo do fogo israelense. “Dezenas de crianças ficaram feridas quando soldados de Israel disparavam contra elas enquanto tentavam pegar escombros para revender na construção”, contou Shaheen.

Somente entre 26 de março de 2010 e 27 de dezembro de 2011, a organização Defence for Children International documentou “30 casos de menores baleados enquanto pegavam material de construção ou trabalhavam perto da barreira de fronteira”.

O desemprego não afeta apenas o poder aquisitivo das famílias. Também afeta seu estado de ânimo, observou Schembri. “Nos últimos cinco anos vimos surgir uma nova classe de pobres: pessoas que trabalhavam em Israel ou mesmo em fábricas daqui e que ficaram desempregadas da noite para o dia. Tinham casas lindas, decentes, e repentinamente passaram a não ter renda alguma. Isto foi um golpe enorme em sua dignidade e motivação”, acrescentou.

A autoimolação de um jovem de um acampamento de Gaza no começo de setembro destacou o pouco discutido assunto dos suicídios, antes pouco comuns neste território predominantemente muçulmano. “Aqui o suicídio é um sinal de que os palestinos vivem com muito pouca esperança e pouquíssimas oportunidades de construir um futuro melhor”, enfatizou Shaheen. “Há apenas uma solução para o desemprego: acabar com o fechamento ilegal da Faixa de Gaza”, ressaltou, acrescentando que isso representará “terminar com a vergonhosa conspiração internacional do silêncio, que dá impunidade às ações ilegais de Israel”. Envolverde/IPS