Washington, Estados Unidos, 10/10/2012 – Enquanto o conflito da Síria se expande com violência para os países vizinhos, opositores radicais no exterior elaboraram um pacote com propostas de transição política para quando cair o regime de Bashar al-Assad. O Instituto dos Estados Unidos para a Paz (Usip) organizou, no dia 4, a conferência A Síria Depois de Assad: Gerenciando os Desafios da Transição, na qual os palestrantes do Projeto do Dia Seguinte: Apoio à Transição Democrática na Síria, apresentaram suas propostas de transição para esse país.
Os participantes insistiram em que o Projeto do Dia Seguinte é um “documento em evolução e em crescimento”, que objetiva oferecer princípios-guia, mais do que recomendações concretas. O informe examina várias questões sobre a transição, como o Estado de direito, a justiça, a reforma eleitoral e da segurança, um contexto institucional e a reconstrução econômica e social. No Projeto do Dia Seguinte participam 45 opositores sírios, procedentes do Conselho Nacional Sírio, dos Comitês de Coordenação Local, da Irmandade Muçulmana e de outras organizações independentes.
Entre eles há várias pessoas agora muito conhecidas em círculos de Washington, como Murhaf Jouejati, Najib Ghadbian, Radwan Ziadeh e Rami Nakhla, mas, pouquíssimos dirigentes da oposição interna. Para incentivar o consenso entre as diferentes orientações políticas e evitar a tomada de decisões que caberiam ao futuro governo, o informe não inclui propostas específicas. Por outro lado, recomenda objetivos como “independência judicial, respeito pela diversidade da sociedade síria e medidas para facilitar a estabilidade macroeconômica”, sem se concentrar nas estruturas formais ou nas ideologias que sustentam esses princípios.
Os autores incorporaram algumas lições aprendidas das últimas transições políticas na região. Destacaram a importância de uma autoridade civil acima do exército e a necessidade de manter estruturas de governo existentes sem entrar em um processo de “des-Baathificação”, ensinamento deixado pelo vizinho Iraque. Seguros de que não falta muito para a queda do regime de Assad, segundo os palestrantes entre uns poucos meses e um ano, os autores lançaram uma campanha para levar as conclusões do documento para os ativistas que estão na Síria em busca de apoio de grupos locais para reforçar o apoio internacional recebido.
Apesar de seu otimismo pelo futuro distante, os palestrantes foram obrigados a reconhecer que “os êxitos crescentes obtidos pela oposição no verão (boreal) diminuíram” e que o impulso dos primeiros ataques em Aleppo e Damasco se prolongaram e cairam em um ponto morto. As deserções do exército sírio “diminuíram enormemente” e pelo menos uma figura importante voltou às fileiras do regime. O estancamento em que está o conflito não impediu que a violência ultrapassasse as fronteiras sírias.
O exército turco atacou posições do regime sírio nos dias 3 e 4 deste mês, em represália ao disparo de um morteiro contra uma localidade fronteiriça turca que deixou cinco mortos. O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, afirmou que não tem intenção de agravar o conflito. Porém, milhares de pessoas protestaram nas ruas de Ancara e Istambul contra a “horrível provocação de guerra” contra a Síria por parte do governante Partido da Justiça e do Desenvolvimento. O conflito atrai, ainda, diversos grupos dos dois lados. Após a morte de um conhecido membro do libanês Partido de Deus (Hezbolá) na Síria, alguns analistas preveem um “apoio mais explícito a Assad” que poderia aproximá-lo do regime sírio.
Na oposição surgem dúvidas sobre a crescente quantidade de membros vinculados a organizações de direita ou sionistas, entre elas CyberDissidentes, de Rami Nakhla, do Projeto do Dia Seguinte. A CyberDissidentes é uma organização fundada por Sheldon Adelson, do Instituto Adelson para Estudos Estratégicos, com sede em Jerusalém. Enviados dos dois grupos tentam ganhar novos aliados e legitimidade. A destacada figura da oposição, Michel Kilo, enviou uma carta ao papa Bento 16 pedindo para que alivie os temores dos cristãos sírios quanto ao conflito ganhar um perfil sectário.
Enquanto isso, dezenas de pessoas foram assassinadas em uma série de atentados suicidas semelhantes aos da rede extremista Al Qaeda, na cidade de Aleppo. Um deles foi reivindicado pela organização Jabhat Al-Nusra, também extremista. O governo respondeu com ataques de morteiro, bombardeios aéreos e franco-atiradores que reduziram a antiga cidade a ruínas.
Os combates em Damasco diminuíram significativamente desde o verão. Mas a organização Human Rights Watch divulgou um comunicado condenando o sequestro do conhecido advogado Khalil Maatouk, que assumiu a defesa de vários militantes. “A detenção arbitrária de Maatouk e o fato de mantê-lo incomunicável viola os princípios básicos do direito internacional em matéria de direitos humanos”, diz o documento, que pede ao governo sua “imediata libertação, se estiver sob sua custódia”.
O caso renovou os pedidos de Egito, União Europeia e organizações de direitos humanos para que a Síria liberte os milhares de presos políticos. A intransigente resposta de Damasco provavelmente aumentará as reclamações para que Assad renuncie a todo custo. Enquanto segue o conflito na Síria, fica cada vez mais crucial contar com uma resposta humanitária e de infraestrutura, e um plano para o futuro parece mais importante do que nunca. Mas, também resta a dúvida sobre a viabilidade de um rascunho abstrato que, precisamente, evita tocar as próprias questões que semearam o caos nesse país. Envolverde/IPS