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Violência que surge das madrasas

Manifestação em Peshawar, Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 25/10/2012 – O crescente número de escolas religiosas muçulmanas é considerado o principal fator dos violentos protestos que acontecem em Khyber Pakhtunkhwa, ex-Província da Fronteira Noroeste paquistanesa, limítrofe com o Afeganistão. “Detivemos 105 pessoas ligadas aos distúrbios (em torno do filme norte-americano A Inocência dos Muçulmanos, sobre o profeta Maomé), e 90 delas pertenciam a partidos político-religiosos, enquanto 65 haviam estudado em escolas religiosas” (madrasas), disse à IPS o oficial de polícia Abdul Naveed.

“Iniciamos uma investigação independente sobre os distúrbios, para encontrar os verdadeiros culpados por instigarem as pessoas e danificarem propriedades públicas e privadas em nome do profeta Maomé”, declarou Naveed. “Frequentemente os protestos se tornam violentos porque os estudantes de escolas religiosas têm o hábito de recorrer à violência”, explicou.

Os estudantes de madrasas também são acusados de participar de saques. “Jovens usando barba, principalmente saídos de madrasas, enlouqueceram. Quebraram ou levaram móveis, vidros e utensílios”, disse às IPS Raees Jan, gerente de um hotel em Peshawar, à IPS, que sofreu prejuízo de US$ 4 mil durante os protestos.

No dia 11 de setembro, data em que a ira gerada pelo filme derivou na morte do embaixador dos Estados Unidos na Líbia, Christopher Stevens, durante o ataque contra o consulado de seu país na cidade líbia de Bengasi, “deixou um impacto profundo no cenário político, e grupos religiosos se nutrem dos sentimentos de muçulmanos que não podem tolerar a blasfêmia”, disse Mohammad Dauran Shah, da Universidade de Peshawar. O ministro da Informação de Khyber Pakhtunkhwa, Mian Iftikhar Hussain, afirmou que os manifestantes estavam tão enfurecidos que a polícia não interveio.

“Em 2000, o Paquistão tinha cerca de 89 mil Darul Uloom (escolas religiosas) com 344 mil estudantes”, disse Umar Farooq, do Ministério de Assuntos Religiosos, à IPS. “Em março de 2012, a quantidade dessas escolas chegava a 106 mil, com 440 mil alunos”, acrescentou. O governo lançou um programa para modernizar as escolas religiosas, para que os estudantes recebessem educação básica em matérias como matemática e inglês, além de capacitação no uso de computadores.

O ministro da Educação de Khyber Pakhtunkhwa, Sardar Hussain Babak, disse à IPS que, dentro do plano proposto para modernizar a educação divulgado no começo deste ano, os estudantes receberiam as aulas habituais sobre Nazirah-e-Quran (recitado), Tahfeez-ul-Quran (memorização), Tajweed (pronúncia), Darse-e-Nizami (programa padrão de um seminário religioso), Tafseer (análise e interpretação do Alcorão), Hadith (ditados de Maomé) e Fiqah (jurisprudência islâmica).

O plano também inclui literatura árabe, urdu, inglês, ciência, matemática, computação e tecnologias da informação, bem como capacitação vocacional. Porém, Babak disse que os líderes das escolas religiosas veem o programa como uma interferência e que rechaçam o apoio do governo. “A maioria destes mestres é incapaz de ensinar adequadamente. Não têm uma educação moderna. O governo quer apoiá-los financeira e tecnicamente, mas eles não querem isso”, contou à IPS.

Babak afirmou que a decisão de modernizar o ensino foi tomada em meio a informes de que algumas destas escolas eram celeiros de insurgentes. “Cerca de 99% dos estudantes pertencem a famílias pobres que não podem custear as escolas modernas ou administradas pelo governo e optam por escolas religiosas que não cobram”, disse Babak, firme oponente aos extremistas do movimento Talibã.

Mohammad Asif, professor na madrasa Uma Hatul Momineen, disse que cerca de 96% dos estudantes de escolas religiosas são analfabetos. “Não vão a escolas formais, mas se inscrevem diretamente em seminários”, pontuou. “As escolas religiosas são muito boas porque ensinam o verdadeiro significado do Islã”, afirmou Asif, de 25 anos, que primeiro frequentou uma escola secundária do governo e depois entrou em um seminário religioso, onde se formou em jurisprudência islâmica. Para ele, “as escolas religiosas também devem dar educação moderna que inclua computação, matemática, inglês, etc.”.

Um relatório elaborado pelos colégios e pelo Departamento de Alfabetização de Khyber Pakhtunkhwa, apenas cerca de 25% das escolas religiosas solicitam registro. O estudo também afirma que a maioria dos quatro mil professores e 900 professoras de Khyber Pakhtunkhwa nunca frequentaram escolas formais e que são formados por colégios religiosos. Os seminários religiosos no Paquistão, especialmente em Khyber Pakhtunkhwa e nas Áreas Tribais Federalmente Administradas (Fata) ao longo da fronteira afegã, foram acusados pelos Estados Unidos de treinar insurgentes pró-Talibã.

“Talibã significa estudantes de escolas religiosas”, disse Jawad Khan, professor de ciência política na faculdade do governo em Peshawar. “Em meados da década de 1990, talibãs procedentes de madrasas paquistanesas e afegãs avançaram sobre Cabul e, no prazo de semanas, assumiram o controle de 95% do Afeganistão”, explicou. “Nessa época, os Estados Unidos e seu incondicional aliado Paquistão apoiaram o governo do Talibã no Afeganistão, com a intenção de contrapor-se ao Irã, povoado por xiitas”, acrescentou.

Os principais organismos que regem as madrasas representam diferentes escolas de pensamento. Frequentemente os Estados Unidos acusaram estas escolas religiosas de promoverem o terrorismo. Por isso, junto com o exército paquistanês, atacou várias madrasas dentro do Paquistão e do Afeganistão. Washington pediu ao governo paquistanês que as controle e as modernize. Os diretores dos colégios religiosos negam com veemência as acusações de que formam insurgentes.

“Em nossa escola há mais de 4.500 estudantes”, disse Maulana Samiul Haq, reitor de Darul Uloom Haqqania, o maior seminário religioso do Paquistão. “Todos eles são pacíficos e apolíticos. Participaram dos combates apenas para salvaguardar o Afeganistão do governo corrupto e amargamente dividido em Cabul”, afirmou. “Aprendemos ética, moralidade e valores humanos”, disse à IPS Fauzia Begum, de 18 anos, estudante de Jehadul Momineen Darul Uloom, em Bannu, um dos 25 distritos de Khyber Pakhtunkhwa. “É necessário fazer com que mais mulheres estudem em escolas religiosas para sufocar a prevalente onda de terrorismo”, afirmou. Envolverde/IPS