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“A pequena agricultura deve ser vista como um negócio”

“As políticas nacionais e regionais têm de eliminar as demoras transfronteiriças e as barreiras normativas que os pequenos agricultores enfrentam”, afirma o especialista uruguaio, Carlos Seré. Foto: Gentileza do Fida

Punta del Este, Uruguai, 5/11/2012 – Os países do Sul devem remover todos os obstáculos que ainda enfrenta a agricultura de pequena escala, pois o setor é crucial para seu crescimento econômico, alertou o chefe de Estratégias de Desenvolvimento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), Carlos Seré. “As políticas nacionais e regionais têm que eliminar as demoras transfronteiriças e as barreiras normativas que enfrentam os pequenos agricultores”, afirmou o especialista uruguaio, insistindo que “o investimento na pequena agricultura e no desenvolvimento rural é a base do crescimento econômico”.

Em conversa com a IPS por ocasião da Segunda Conferência Mundial sobre Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento (GCARD2), Seré se referiu também à importância de ajudar as mulheres a terem acesso à terra e contemplar os desafios ambientais dos camponeses na hora de lançar programas de apoio. A Conferência, que aconteceu entre 29 de outubro e 1º deste mês, na cidade uruguaia de Punta del Este, foi convocada pelo Fórum Mundial sobre Pesquisa Agrícola, em colaboração com o Consórcio CGIAR.

IPS: O mapa do caminho da GCARD2 enfatiza a pesquisa agrícola e a inovação para o desenvolvimento. Não está marginalizando o conhecimento ancestral das comunidades locais, que demonstrou ser efetivo, por exemplo, na busca de adaptações locais à mudança climática?

CARLOS SERÉ: A GCARD2 é uma plataforma de vários atores que promovem associações na pesquisa para o desenvolvimento. Está destinada a forjar alianças entre instituições de pesquisa avançada no mundo industrializado, centros internacionais de estudos agrícolas, como os do CGIAR, e sistemas nacionais de pesquisa agrícola no mundo em desenvolvimento. Estes últimos contêm entidades nacionais e locais, como universidades agrícolas, organizações da sociedade civil e grupos e agrupações de camponeses, incluindo comunidades indígenas, como plenos sócios no processo de pesquisa. A GCARD2 dá ênfase no papel do desenvolvimento tecnológico participativo, que se constrói com base no conhecimento e implica melhor entendimento entre os povos, suas crenças, suas culturas e outras variáveis socioeconômicas junto às condições biofísicas.

IPS: Como os agricultores pobres podem adaptar-se às novas tecnologias e qual critério deve guiar as pesquisas no setor?

CS: Para que a pesquisa passe do laboratório para o campo deve ter apoio de um forte sistema de extensão e de políticas adequadas que vinculem a pesquisa com os produtores e os mercados, de forma que se beneficiem tanto o setor público quanto o privado. A decisão de adotar novas tecnologias é bastante complexa para os camponeses, em especial porque eles participam da agricultura por uma variedade de razões, como a necessidade de gerar renda, de obter alimento para consumo próprio, de reduzir o impacto de uma possível insegurança econômica ou de golpes que afetem outras fontes de sustento (como o emprego informal), etc. O investimento no desenvolvimento de novas tecnologias a serem adotadas pelos pequenos agricultores deve estar guiado por um entendimento dos incentivos e riscos que os diferentes tipos de grupos de produtores enfrentam. Daí a necessidade de se concentrar mais em esforços de pesquisa e inovação para desenvolver tecnologias que ajudem os agricultores a elevar sua produtividade e de maneira que possam adaptar-se melhor a ambientes mais hostis, à escassez de água e à mudança climática.

IPS: Há projetos como o Aldeias do Milênio, que apoiam os pequenos agricultores de forma interdisciplinar e conseguiram aumentar as colheitas. Contudo, estes ainda têm dificuldades logísticas para conseguir acesso aos mercados. Como se pode acertar isso?

CS: Quando os pequenos agricultores aumentam sua produtividade, em uma primeira instância, podem fazer uma significativa contribuição para a segurança alimentar local e nacional e para o desenvolvimento econômico. Mais tarde podem fazer com que os excedentes de alimentos cheguem de forma eficiente e segura aos mercados. Se os produtores têm dinheiro extra nos bolsos, podemos começar a ver uma real transformação para o mundo em desenvolvimento. O investimento na pequena agricultura e no desenvolvimento rural é a base do crescimento econômico. Se queremos que os mercados regionais funcionem, se queremos garantir a segurança alimentar e econômica dos países em desenvolvimento, então temos que transformar nossa infraestrutura e a forma com fazemos negócios. As estradas, o acesso a um serviço elétrico estável, a energia e água, bem como a boa governança, são elementos fundamentais para gerar um ambiente atraente para os negócios nos países em desenvolvimento. A pequena agricultura deve ser vista como um negócio. As políticas nacionais e regionais devem eliminar as demoras transfronteiriças e as barreiras normativas que os pequenos agricultores enfrentam, de maneira a facilitar que sua produção passe de um país a outro.

IPS: O quanto podem ter êxito as iniciativas para fornecer insumos e capacitação aos agricultores do Sul enquanto são mantidos os subsídios do Norte e as barreiras ao mercado internacional?

CS: As propostas ou os esquemas para fornecer insumos e capacitação aos agricultores devem ser parte de um pacote mais amplo de iniciativas para apoiar o desenvolvimento dos países do Sul impulsionado pela agricultura, maximizando as oportunidades para aceder aos mercados. Embora reconheçamos que as distorções do mercado existem e que há barreiras ao livre mercado, os baixos preços dos alimentos no passado, que afetaram os incentivos e o desempenho da agricultura, agora mudaram drasticamente. O aumento dos preços deve vir também com oportunidades para uma resposta da oferta. Precisamos de enfoques integrais para estimular o crescimento na agricultura e em outros setores rurais que podem oferecer novas oportunidades empresariais e de emprego.

IPS: As mulheres são o fundamento da agricultura familiar no Sul em desenvolvimento, mas frequentemente as leis e os costumes dos países em desenvolvimento limitam seu acesso à terra. O que está sendo feito a respeito?

CS: A igualdade de gênero é um assunto de valores e de direitos humanos fundamentais, mas claramente está se convertendo também em um motor da eficiência econômica em agricultura. As mulheres desempenham um importante papel na agricultura e nos sistemas alimentares em todo o mundo em desenvolvimento. Em geral, elas são as agricultoras no Sul. Somente lhes dando o mesmo acesso que têm os homens aos recursos e insumos agrícolas se poderá aumentar a produção em até 30%, e se poderia reduzir o número de famintos no mundo entre cem milhões e 150 milhões. Sabemos, por vários estudos, que quando as mulheres ganham dinheiro têm mais probabilidades que os homens de gastá-lo em alimentos para a família. Quando as mulheres rurais são fortalecidas econômica e socialmente se tornam uma potente força para a mudança. Quanto ao acesso à terra, em particular, deve haver enfoques com sensibilidade de gênero nas instituições em nível comunitário. São boas respostas institucionais todas as atividades que têm um impacto no acesso à terra, que constroem a capacidade das mulheres para estarem a par de seus direitos, que as ajudem a ter acesso a documentos de identidade para poderem reclamar seus direitos sobre a terra. Envolverde/IPS