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Candidato queniano contra a homofobia

“Dizem que sou um candidato com 'questões'”, disse Kuria à IPS. Foto: Mike Elkin/IPS

Nairóbi, Quênia, 8/11/2012 – David Kuria Mbote, primeiro candidato abertamente homossexual a um cargo público no Quênia, destacou em conversa com a IPS que sua campanha não se limitará a defender os direitos de gays e lésbicas. Também procurará melhorar o acesso dos quenianos a cuidados médicos e educação adequados, bem como impulsionar seu desenvolvimento econômico. “Temos muitas pessoas presas no círculo de pobreza”, disse Mbote à IPS. “Meu condado, Kiambu, não é o mais pobre do país, mas quem é pobre ali realmente o é. O que quero é criar pequenos projetos, como, por exemplo, um de cultivo de cenouras, para ajudá-los a sair da pobreza”, enfatizou.

Outro aspecto importante de sua campanha é dar “segundas oportunidades”, especialmente aos viciados em drogas e álcool. “Sua vida acaba se há rejeição de todos. Se eu tivesse acreditado em ideias predominantes sobre pessoas como eu, teria me dado por vencido. Por isso quero dizer às pessoas que não desistam”, ressaltou Kuria. Em um país onde a homofobia é a norma e a maioria dos gays e lésbicas mantém sua opção sexual em segredo, Kuria, de 40 anos, disputará as eleições de março de 2013 como candidato independente para o Senado no condado de Kiambu, ao norte de Nairóbi. Ele competirá com dois outros experientes candidatos e também com os preconceitos dominantes neste país quanto à homossexualidade.

Em várias pesquisas feitas no país nos últimos cinco anos, mais de 90% dos entrevistados disseram que a homossexualidade vai contra suas crenças. Embora a Constituição de 2010 busque “preservar a dignidade dos indivíduos e das comunidades e promover a justiça social e a realização do potencial de todos os seres humanos”, o Código Penal castiga a homossexualidade com até 14 anos de prisão. Embora tenham havido poucas sentenças a respeito, há muitos casos de policiais cobrando propina de homossexuais para não prendê-los, denunciou Kuria, cofundador da Coalizão de Gays e Lésbicas do Quênia.

Outro tema que interessa ao candidato é a prevenção e o tratamento da aids. Kuria apontou que muitos médicos quenianos marginalizam os pacientes homossexuais e que os gays neste país têm pouquíssima informação sobre a prevenção do vírus HIV (causador da aids). Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), até dezembro de 2011, 1,6 milhão de aproximadamente 40 milhões de quenianos vive com HIV. Kuria também dá ênfase à criação de políticas contra doenças não transmissíveis, como diabetes e câncer.

No Quênia, as únicas figuras públicas abertamente homossexuais são uns poucos ativistas, incluindo Kuria. Quando a IPS lhe perguntou por que decidiu tornar pública sua orientação sexual em uma sociedade com tantos preconceitos, citou sua experiência quando tentou pressionar a Comissão Nacional contra a Aids para que incluísse os homens gays como um grupo de risco.

“No começo as mulheres encarregadas disseram que só queríamos chamar a atenção. Mas, depois de divulgada uma pesquisa sobre aids no Quênia e seus modos de transmissão, começaram a entender o que dizíamos: os gays eram um grupo de alto risco”, contou Kuria. “E essa mesma mulher que nos disse que queríamos chamar a atenção se tornou tão ativa a nosso favor que me assombrou. Ela me mostrou que as pessoas podem mudar. Ver isso me estimulou a fazer mais”, acrescentou.

A franqueza de Kuria em público sobre sua opção sexual teve impacto em muita gente, especialmente considerando que se preparou para ser padre jesuíta entre os 13 e 27 anos, estudando teologia e filosofia. Desde que deixou o seminário, obteve diploma de mestrado em administração de empresas na Universidade de Nairóbi, e em dezembro deste ano receberá o relativo a finanças. “Dizem que sou um candidato com ‘questões’”, afirma entre risos. “Não dizem que sou gay, dizem que tenho ‘questões’. No começo me preocupava o fato de as pessoas me verem apenas como gay, mas, depois de 30 ou mais reuniões públicas, começaram a escutar. Se votarão em mim, ou não, é outra história, mas ao menos ouvem”, observou.

Combater os preconceitos das sociedades africanas sobre a homossexualidade não é nada fácil. O sul-africano Mike Waters é o único parlamentar abertamente gay do continente. O primeiro-ministro do Quênia e agora candidato presidencial, Raila Odinga, disse em um discurso, em novembro de 2010, que os homossexuais deveriam ser presos. No mês passado, o grupo defensor dos direitos dos homossexuais Kaleidoscope Trust convidou Kuria para falar em um seminário sobre liderança.

Ali se reuniu com Christopher Robert Smith, o primeiro parlamentar britânico abertamente gay. “Ele me disse para ater-me à minha mensagem, e que, se minha mensagem tivesse credibilidade, as pessoas me ouviriam”, disse Kuria. “David é um homem inspirador e valente, disposto a se levantar e se fazer notar em um continente onde gerações de pessoas gays foram obrigadas a baixar a cabeça para não sofrer ataques físicos ou coisas piores”, disse o diretor executivo da Kaleidoscope Trust. Lance Price, a um jornal estudantil da Universidade de Oxford.

Nas redes sociais Facebook e Twitter, a campanha de Kuria desatou muitos comentários de ódio. Ele recebeu um ameaçador e-mail enviado dos Estados Unidos, que dizia “descanse em paz”. No entanto, Kuria assegura que não sofreu muitos problemas por causa da homofobia. Não viaja com guarda-costas, mas disse que isso poderá mudar se as pesquisas lhe derem boas probabilidades conforme se aproximam as eleições. Envolverde/IPS