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Para promotores do decrescimento, menos é muito mais

A autopista Eastshore perto de Berkeley, no Estado da Califórnia, lotada de automóveis. Foto: Licencia Minesweeper/GNU

 

Nova York, Estados Unidos, 9/11/2012 – O conceito de decrescimento não é cômodo em países muito industrializados, como os Estados Unidos, mas muitos afirmam que é necessário um plano de ação para impedir que a maior economia do mundo cresça ainda mais, para dessa forma preservar os recursos finitos do planeta. Esta proposta se mostra importante ao se considerar especialmente a projeção de que o número de habitantes na terra aumente em dois bilhões até 2050.

O aumento da população, bem como economias florescentes e um consumo insustentável pressionam em excesso o mundo, alterando os ecossistemas e os meios de sustento de muitos seres humanos. A Global Footprint Network, grupo internacional de especialistas sobre sustentabilidade, estima que os seres humanos usam o equivalente a um planeta e meio para obter os recursos que consomem. Também geram dejetos que a Terra absorve.

A pegada deixada pelos humanos sobre os sistemas terrestres duplicou nas últimas décadas, e os especialistas advertem que será necessário reduzir significativamente a economia, a tempo de promover a proteção ambiental e reduzir as desigualdades. “Esta mudança social intencional é essencial para um mundo onde sete bilhões de seres humanos estão esgotando a biocapacidade da Terra e ameaçando com o colapso de serviços importantes do ecossistema, como a regulação do clima, as reservas pesqueiras, a polinização e a purificação da água”, disse Erik Assadourian, do Worldwatch Institute.

“Ao não seguir de modo proativo um caminho de decrescimento, aceitamos que, em troca, teremos uma descontrolada contração mundial que levará a um incômodo e um sofrimento humanos muito maiores do aquele que o decrescimento jamais ocasionaria”, opinou Assadourian à IPS. Entretanto, a ambiciosa aspiração de convencer os países mais ricos a implantarem drásticas mudanças em seus estilos de vida demonstra ser mais difícil do que nunca. Além disso, a necessidade de decrescimento chega em um momento em que o terço mais pobre da humanidade ainda depende de aumentar o consumo para enfrentar uma crescente demanda por alimentos e garantir uma qualidade de vida decente.

“Um decrescimento sustentável, em um sentido ambiental e também social, exigirá algum tipo de sociedade ecossocialista”, disse à IPS o professor Petter Næss da Universidade de Aalborg (Dinamarca), autor de vários livros sobre crescimento econômico e sustentabilidade no contexto urbano. “Os principais obstáculos a esse tipo de desenvolvimento são os fortes poderes ideológico e discursivo que ostentam os proponentes do regime dominante de crescimento, incluídas as influências dos meios de comunicação, da publicidade e do fato de frequentemente o status social das pessoas ser julgado a partir de seu nível de consumo e riqueza, como o é a sua possibilidade de influir politicamente”, ressaltou.

Entretanto, um decrescimento econômico planejado, longe de ser inconveniente pode constituir uma ferramenta útil para promover o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza, ao mesmo tempo promovendo maior igualdade social. “O principal desafio do decrescimento é óbvio: como convencer os que têm riqueza e poder a se disporem a redistribuir isso com os outros. Alterando essa dinâmica, todos se beneficiarão”, pontuou Assadourian.

No informe A situação do Mundo 2012: para uma Prosperidade Sustentável, divulgado em junho pelo Worldwatch Institute, Assadourian destaca políticas criativas e novos conceitos mediante os quais o decrescimento econômico pode levar a uma melhoria no desenvolvimento sustentável, e ao mesmo tempo solucionar uma série de problemas sociais. Por exemplo, “apoiar esforços para criar oportunidades econômicas informais, como a pequena agricultura e as hortas comunitárias, trocas e consertos, pode ajudar a criar novos meios para que as pessoas se mantenham sozinhas”, sugeriu Assadourian no estudo.

Se autoprovisionar parcialmente pode melhorar o bem-estar geral das pessoas, reduzindo simultaneamente sua dependência de um sistema alimentar globalizado que está à mercê de eventos extremos recorrentes, como secas e inundações. Além disso, reduzir o horário de trabalho mediante o regime de emprego compartilhado e dar férias e licenças por maternidade e paternidade mais prolongadas poderia minimizar o estresse e melhorar a produtividade. “Se as pessoas trabalharem menos diminuirão sua renda e, com isso, baixaria o consumo de objetos de luxo em geral. Menos pessoas viajarão de avião, comprarão casas menores e escolherão automóveis de menor cilindrada ou estilos de vida que não impliquem seu uso”, explicou Assadourian.

“Embora alguns vejam isto negativamente, o novo tempo de ócio e vidas menos estressantes compensariam, especialmente se os governos também fortalecessem seu papel tradicional de proporcionar uma importante série de bens públicos: bibliotecas, transporte público, água potável, etc.”, detalhou o especialista. Assadourian acrescentou que “estes bens públicos poderiam ser financiados pelo aumento dos impostos dos mais ricos, o que também ajudaria a reduzir o consumo de luxos por parte desse segmento da sociedade, que tem o maior impacto ecológico sobre o planeta”.

Diante da pergunta se é possível elaborar uma estratégia para abordar o crescimento e o decrescimento simultaneamente, Assadourian disse que, inclusive em países como os Estados Unidos, onde a economia precisa decrescer de modo significativo, certos setores, como o da energia renovável e da agricultura sustentável, ainda deveriam aumentar.

O conceito de decrescimento atrai a atenção em países como Itália e França. Por exemplo, atualmente há 69 cidades e povoados italianos que aderiram à rede de “Cittaslow”, movimento fundado em 1999 e que na última década se expandiu bem além de fronteiras. O movimento aspira melhorar a qualidade de vida nos centros urbanos “reduzindo seu ritmo geral”, especialmente quanto ao uso dos espaços e ao fluxo de tráfego, garantindo um estilo de vida mais saudável, promovendo a diversidade cultural e a singularidade da cidade, além de proteger o meio ambiente.

Nos últimos tempos, a terceira Conferência Internacional sobre Desenvolvimento, Sustentabilidade Ecológica e Igualdade Social, realizada entre 19 e 23 de setembro na cidade de Veneza, proporcionou um espaço único para compartilhar e debater temas desde a soberania alimentar e a transição energética até a crise de dívida e a política participativa, com especial ênfase nas soluções e em exaustivas estratégias de decrescimento que podem ser aplicadas no Sul em desenvolvimento.

“Deveriam ser implantadas regulações para garantir uma distribuição gradualmente mais justa e equitativa da riqueza e da renda entre os habitantes, nos planos local e nacional, e, entre nações, por meio de impostos e mecanismos de distribuição internacionais adotados pela Organização das Nações Unidas (ONU)”, indicou Naess à IPS. Ele também alertou que, na falta desses poderosos mecanismos de redistribuição, os impactos negativos de uma política de decrescimento se fixarão mais, com severas dificuldades entre os mais pobres, maiores brechas sociais, xenofobia e racismo. Envolverde/IPS