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Tribunal dos Povos condena despojos de indígenas mexicanos

Imagem ilustrativa. Foto: Divulgação/Internet

Temacapulín, México, 12/11/2012 – “O que perdemos com a represa? Perdemos tudo, disse María Abigail Agredani, membro do comitê desta comunidade do Estado mexicano de Jalisco, após denunciar os danos que causará o complexo hidrelétrico que é construído perto do lugar. “Perderemos o direito a existir, nossa cultura, tradições, paz, felicidade e liberdade, nossos panteões e mortos, a praça, o Cristo de Tecama, que tanto amamos, o Agave temacapulinensis, o Rio Verde e 14 séculos de história de nosso povo”, afirmou Agredani, do movimento Salvemos Temacapulín, Acasico e Palmarejo, povoados que ficarão debaixo da água se for terminada a represa El Zapotillo.

A comunidade de Temacapulín, com 1.500 habitantes e cercada por quatro morros que dão forma de uma panela ao lugar, foi sede na semana passada da pré-audiência sobre represas do Tribunal Permanente dos Povos (TPP), que acontece desde outubro de 2011 neste país. Após ouvir durante dois dias os depoimentos de moradores de nove comunidades que lutam contra a construção de complexos hidrelétricos em cinco distritos do país, o júri deu sua sentença na dia 8, condenando o governo mexicano e cobrando o cancelamento definitivo de todos os megaprojetos hidráulicos.

“Em nenhum caso foi respeitado o direito a consulta e informação por parte dos afetados”, disse um dos magistrados, Monti Aguirre, ao ler a sentença, segundo a qual os processos se caracterizam “por uma sistemática e contínua violação de direitos, individuais e coletivos, econômicos, sociais e culturais das pessoas e das comunidades ameaçadas”. O TPP, criado em 1979 na cidade italiana de Bolonha por inspiração do advogado e dirigente político Lelio Basso, é um tribunal de consciência que busca qualificar situações nas quais são denunciados crimes contra a humanidade. Apesar de sua decisão não ser vinculante, tem um enorme peso moral.

O capítulo mexicano concluirá seus trabalhos em 2014, em uma audiência final que retomará as sentenças de todas as pré-audiências feitas em três anos de julgamento do Estado mexicano, em torno de temas como guerra suja e direitos humanos, migrações e deslocamentos forçados, feminicídio e violência de gênero e agressão permanente contra os trabalhadores. Sua atuação se completa com assuntos relacionados a violência contra o milho e a soberania alimentar, devastação ambiental e direitos dos povos, desinformação, censura e violência contra jornalistas.

Para esta pré-audiência sobre represas, incluída na mesa de devastação ambiental, foram convidados como juízes internacionais o indiano Miloon Kothari, ex-relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Direito a Moradia Adequada, e o professor Carlos Bernardo Vainer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Também Maude Barlow, ativista canadense pelo direito humano a àgua, e Monti Aguirre, coordenadora para América Latina da International Rivers. Junto a eles, participaram os mexicanos Francisco López Bárcenas, advogado em direito indígena, Luis Daniel Vázquez, coordenador do doutorado em ciências sociais da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, e Patricia Ávila, do Centro de Pesquisas em Ecossistemas da Universidade Nacional Autônoma do México.

Em entrevista à IPS, Vainer destacou que uma constante nas denúncias destas comunidades é a falta de informação e consulta às pessoas afetadas e, inclusive, uma desinformação que parece premeditada, por parte do governo federal. “As pessoas não são informadas no momento e na forma adequada. É uma queixa que parece consistente”, afirmou. Vainer explicou que o problema é como se conecta cada um destes casos com o mercado internacional, porque a conexão entre a indústria de construção de represas e a indústria de grandes consumidores de energia com os setores financeiros faz com que economias emergentes importem projetos velhos, do ponto de vista tecnológico, para um suposto desenvolvimento.

“Para atender às necessidades de energia dos povos não são necessárias grandes represas, pois estas megaobras não são para o desenvolvimento local, mas para os centros industriais. Contudo, quanto vale a energia e quanto valem uma nação, uma cultura ou um povo? Não há comparação possível”, ressaltou Vainer. Para o advogado Bárcenas, a pré-audiência deixou claro que o governo mexicano do conservador Felipe Calderón está saqueando os povos e entregando em concessão os recursos naturais a grupos de poder. “As políticas públicas estão promovendo o despojo, não o desenvolvimento dos povos, e isto acontece em setores como mineração, hidreletricidade e projetos eólicos e turísticos”, assegurou.

Um dos casos mais dramáticos apresentados na pré-audiência foi o da Represa de Arcediano, também em Jalisco. Trata-se de um projeto para abastecer de água a região metropolitana de Guadalajara, capital do Estado. A obra implicou o desaparecimento completo do povoado de mesmo nome. Mas, em 2009, foi cancelada e da represa resta apenas a estrutura, enquanto os ex-moradores tiveram que se mudar para pequenas casas em colônias periféricas à capital. Guadalupe Lara, que foi a última a deixar sua casa e agora está para publicar um livro com sua luta intitulado Yo vi a mi pueblo morir (Vi meu povo morrer), contou à IPS que “é muito triste e frustrante ver como aqueles que teriam de cuidar de nós nos roubam”.

Outro caso foi o da hidrelétrica La Yesca, no Estado de Nayarit, inaugurada por Calderón no dia 7. “La Yesca se converterá no emblema de um México moderno e competitivo, do século 21, que com obras e com fatos os mexicanos estão construindo”, afirmou o presidente. “O governo se move no plano da ilegalidade para construir suas obras, por isso nossa experiência é que não há nada para negociar”, disse Rodolfo Chávez, do Conselho de Ejidos (campos comuns) e Comunidades Contrárias à Represa La Parota, em Guerrero, onde os protestos conseguiram o cancelamento total dessa megaobra. “Não se pode deixar as empresas entrarem nem mesmo para fazer estudos, porque acabam passando por cima de tudo”, afirmou à IPS.

No caso apresentado pelos anfitriões, os moradores de Temacapulín são afetados pela construção de El Zapotillo, um megaprojeto que exige a inundação deste povoado, mais Acasico e Palmarejo, de seu cemitério e do templo, além de uma igreja que em 2009 completou 250 anos e que é parte do patrimônio histórico deste povoado. Os habitantes documentaram danos psicológicos, erros técnicos no projeto e violações de duas sentenças judiciais – uma estatal e outra federal –, que obrigam as autoridades a deterem a obra e o reassentamento das famílias.

“Querem nos tirar e nem mesmo está claro com qual água a represa será enchida, porque há quatro anos temos problemas de chuva”, disse à IPS o delegado municipal Alfonso Íñiguez Pérez. A pesquisadora Mónica Olvera, do Movimento Mexicano de Afetados pelas Represas e em Defesa dos Rios, calcula que mais de 185 mil pessoas sofreram deslocamento forçado pela construção de complexos hidrelétricos no México nos últimos 40 anos.

Os jurados do TPP entregaram no dia 9 sua decisão ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto os trabalhos da mesa de devastação ambiental continuarão nos dias 17 e 18, na comunidade de Cherán, no Estado de Michoacán, onde serão apresentados dez casos de agressões ambientais, que incluem projetos rodoviários, plantações agroindustriais, turismo e mineração. Envolverde/IPS