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Sindicatos espanhóis no front da guerra contra a austeridade

Madri, Espanha, 14/11/2012 – Os sindicatos espanhóis jogam hoje sua capacidade de convocação, em meio à sua tradicional divisão ideológica, assumindo a liderança da indignação social pelos duros cortes do governo, que segue o determinado pela União Europeia para enfrentar a crise. A União Geral de Trabalhadores (UGT) e a Comissões Operárias (CCOO), as duas maiores centrais sindicais, se unem a outras menores, a sindicatos independentes, a mais de 150 organizações da sociedade civil que integram a chamada Cúpula Social e a personalidades diversas, para convocar a greve geral e manifestações em todo o país.

A paralisação de atividades na Espanha é parte de uma mobilização regional chamada Jornada de Ação e Solidariedade, convocada pela Confederação Europeia de Sindicatos (Etuc), que alerta para a “ansiedade crescente dos cidadãos” castigados por “medidas de austeridade que aprofundam a recessão, freiam o crescimento e aumentam inexoravelmente o desemprego”. A Etuc, dirigida pelo secretário-geral da CCOO, Ignacio Fernández Toxo, faz parte da Confederação Sindical Internacional, à qual estão filiadas as duas principais centrais espanholas.

Com o lema “Pelo emprego e a solidariedade na Europa” e para dizer “Não à austeridade”, também irão à greve geral os trabalhadores portugueses, enquanto haverá paralisações parciais na Grécia e na Itália e manifestações e outros protestos na Alemanha, Áustria, Eslovênia, França, Holanda, Polônia, República Checa e Romênia, entre outros países.

Esta greve não conseguirá deter os cortes fiscais e sociais impostos pelo governo direitista de Mariano Rajoy, segundo os sindicalistas consultados, mas criará condições para organizar uma resistência muito mais ampla, que una os trabalhadores com o restante da sociedade. A proposta “vai além do âmbito trabalhista”, afirmou à IPS o secretário-geral da UGT, Cándido Méndez. Envolve “o conjunto da cidadania, os pensionistas, desempregados, consumidores; 99% da população está sendo afetada por uma política injusta, que se plasma nos Orçamentos Gerais do Estado para 2013”, ressaltou.

“O objetivo é unir a voz de todos os trabalhadores para exigir uma mudança de políticas. Está em jogo nosso futuro, nosso estado de bem-estar, e quanto mais gente para exigir uma mudança na política econômica que é aplicada na Espanha e na França, melhor”, afirmou Méndez. “É o momento de construir a partir da esquerda uma alternativa forte, que busque soluções para os problemas reais das pessoas”, ressaltou. Há um diagnóstico sindical comum de que as políticas de cortes e austeridade impostas desde as instituições da UE e pelo governo espanhol nos levam à ruína, porque afundam na recessão, na destruição de emprego, em mais desigualdade social e empobrecem o conjunto da população, segundo Méndez.

Toxo concorda com esta análise lembrando que o número de desempregados já ronda os 5,7 milhões, colocando a Espanha “em uma situação muito grave”, e por isso “é urgente mudar rapidamente a política econômica, apostando em um programa que gere emprego”. Os últimos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas indicam que o desemprego afeta 25% dos quase 23,1 milhões que integram a população economicamente ativa, enquanto a média europeia é de 10,6%. Metade dos jovens não encontra trabalho.

Também estão entre os mais afetados milhares de imigrantes ilegais, que por tal situação não constam das estatísticas trabalhistas, como a peruana María, que, com dois filhos pequenos, perdeu seu emprego e não recebe nenhum subsídio. Esta mulher contou à IPS seu medo de voltar a passar fome, como ocorreu quando estava em seu país. “O pior é que não deixam que eu me registre como trabalhadora”, lamentou.

Uma das causas pelas quais o Partido Socialista Operário Espanhol perdeu as eleições de novembro de 2011 foi a virada de 180 graus dada ao rumo econômico em maio de 2010, passando de uma política social para outra de austeridade e cortes, imposta pela UE, afirmou Méndez, que assim distanciou sua central desse governo de mesma origem ideológica.

Esta será a nona greve geral desde a recuperação democrática na década de 1970. A primeira foi contra o governo centrista de Adolfo Suárez (1976-1981), depois houve outras quatro, durante o mandato do socialista Felipe González (1982-1996), uma com o direitista José María Aznar (1996-2004), outra com o socialista José Luis Rodríguez Zapatero (2004-2011) e a última, em março, já com Rajoy.

O peso da convocação está na UGT, de tendência socialista e que reúne mais de 1,2 milhão de trabalhadores, e na CCOO, mais afim com o Partido Comunista e com igual número de filiados. Também se somam a Confederação Geral do Trabalho, com cerca de 100 mil filiados, Confederação Nacional do Trabalho, com 75 mil, e uma variedade de sindicatos que respondem a realidades das comunidades autônomas. Essa unidade de ação é destacada por Méndez, embora reconheça que em algumas regiões há sindicatos “que parecem agir sozinhos”.

Entretanto, como ocorreu em março, a Central Sindical Independente e de Funcionários (CSI-F), cujo maior poder de filiação está entre os funcionários públicos, aparece entre as poucas organizações que não aderiram à greve por considerá-la “inútil, não solidária e irresponsável”. Nessa linha, o economista Ramón Tamames, membro da Real Academia de Ciências Morais e Políticas, disse que “a greve é lamentável, porque os políticos estão fazendo o inevitável diante da crise”.

A crise na Espanha se deve à política “escandalosa” aplicada em seu momento pelo governo de Zapatero, e “o pior é que o fez apoiado pelas centrais sindicais”, acrescentou Tamames, acusando os sindicatos de terem sido contemplativos na época. “Quando teve que tomar medidas para enfrentar a crise, renunciou”, criticou o economista, que abandonou a militância partidária no começo da década de 1990 após longos anos integrando a direção do Partido Comunista, primeiro, e depois a Esquerda Unida.

Tamames disse, com pessimismo, que será difícil sair logo da crise, já que não se pode fazer mais investimentos públicos, por falta de orçamento, nem esperar que cheguem fortes investimentos do exterior, “pois, no momento, ninguém quer vir para este país”. Envolverde/IPS