Arquivo

Classe média cresce com ossos frágeis

Centro comercial Galerías Pacífico, em Buenos Aires. Foto: Alicia Nijdam/cc by 2.0

Washington, Estados Unidos, 16/11/2012 – A classe média na América Latina cresceu 50% nos últimos dez anos, segundo o Banco Mundial. Porém, os governos da região ainda têm o desafio de conseguir que este avanço gere um “círculo vicioso”. O último informe do Banco Mundial indica que a classe média da região passou de 103 milhões de pessoas, em 2003, para 152 milhões, em 2009. Além disso, 24 milhões, dos 73 milhões de latino-americanos que saíram da pobreza, não entraram diretamente na classe média, mas passaram a incrementar o que o Banco chama de “classe vulnerável”.

Este setor é hoje o maior grupo socioeconômico da região, com 38% dos 577 milhões de latino-americanos. Esta classe baixa e a classe média representam cada uma 30% da população, e a classe alta 2%. O Banco Mundial define a classe média como o grupo socioeconômico formado por aqueles que ganham entre US$ 10 e US$ 50 por dia ou integram uma família cuja renda fique entre US$ 14,6 mil e US$ 73 mil por ano.

Grande parte do crescimento da região, governada majoritariamente nesta década por partidos de esquerda e centro-esquerda, foi impulsionado pelo bom desempenho econômico internacional até o final de 2008. A capacidade dos governos para manter esta tendência, diante da mais fraca situação atual, determinará o grau em que se consolidarão os avanços.

“Devido à crise na zona do euro, muitos países agora pensam muito no curto prazo. Mas a América Latina, graças a anos de esforços, tem o luxo de pensar mais a longo prazo, e isso é importante”, destacou o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, ao apresentar o informe A Mobilidade Econômica e o Crescimento da Classe Média na América Latina, na sede do Banco, no dia 13. As razões por trás desta mudança incluem o crescimento (econômico) sustentado, geração de empregos e redução da desigualdade, mas os países ainda devem se concentrar nos 7% da população que não tem acesso a água potável e nos 20% que carecem de saneamento”, indicou Kim.

Alguns países se destacaram particularmente, como a Colômbia, onde 54% da população subiu de nível socioeconômico, e o Brasil, onde foi produzida 40% de toda a mobilidade econômica registrada na região. No entanto, economistas brasileiros questionam o número de pessoas que teriam saído da classe baixa no Brasil, afirmando que para os cálculos devem ser contemplados outros fatores, além da renda familiar, como o consumo.

Outras análises destacam o importante papel que desempenharam as mulheres na redução da pobreza na América Latina. “As mulheres latino-americanas foram responsáveis por 30% da redução da extrema pobreza na região na última década, como resultado de sua crescente participação na força de trabalho e da melhora de renda”, escreveu no dia 13 a analista Stephanie Leutert, do centro de estudos Council on Foreign Relations, com sede em Washington. “Como em outros lugares, o declive econômico mundial teve impacto mais forte na renda dos homens. Em resposta, as mulheres latino-americanas ocuparam o espaço, provocando mais da metade da redução da pobreza de 2009”, explicou Leutert.

Após vários anos de desigualdade extremamente alta, sua redução significativa foi “completamente inesperada”, reconheceu o economista-chefe do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe, Augusto de la Torre, em conversa com os jornalistas. “Durante anos, a América Latina foi uma das regiões mais desiguais, mas agora é uma das poucas, se não a única, onde a brecha entre ricos e pobres diminui. Este é um fenômeno notável”, enfatizou.

“Uma sociedade com crescente classe média tem mais probabilidade de reduzir as desigualdades, e, além disso, este setor é amplamente reconhecido como um agente de estabilidade e prosperidade”, segundo De La Torre. “Para uma região de renda média como a América Latina, a classe média tem implicações cruciais”. Contudo, sugeriu cautela e recomendou não “chamar isto de vitória”, pelo menos por três razões.

A primeira é que a frágil situação econômica mundial exigirá dos governos nacionais uma série de fortes medidas de resposta. O Banco Mundial se concentrará em promover reformas nos sistemas de proteção social, junto com novos e criativos investimentos em educação. Em segundo lugar, a desigualdade ainda não foi abatida por completo, e as circunstâncias de nascimento para a população latino-americana continuam sendo extremamente importantes.

Para De La Torre, “lamentavelmente, o contexto familiar ainda tem muita importância na América Latina. Nesse sentido, os pobres sofrem uma dupla adversidade: são pobres e têm menos educação, e também têm muitas probabilidades de continuarem assim. Isto melhorou, embora, talvez, de forma extremamente lenta”.

A terceira questão, e talvez a mais complicada para os políticos, é que os membros da nova classe média mostram pouca inclinação a usar sua fortalecida influência para pressionar os governos nacionais a melhorarem os serviços públicos e as instituições. De fato, muitos preferem diretamente ignorar os serviços do governo sempre que isso lhes é possível.

No resto do mundo, quando a classe média começa a crescer, a tendência é que sejam fortalecidas as instituições democráticas, haja menos níveis de corrupção e melhore a qualidade dos serviços públicos. O Banco Mundial explica que assim é gerado um círculo virtuoso. Porém, a classe média latino-americana ainda não parece contribuir para a melhoria da capacidade institucional no mesmo ritmo visto em outros lugares. “Isto é preocupante. As pessoas entram na classe média na América Latina, e, em lugar de se envolverem na melhoria institucional, tendem a optar por se afastarem dos serviços públicos”, lamentou De La Torre.

Por exemplo, em lugar de exigir melhoria das escolas, da polícia ou das redes elétricas públicas, muitos da nova classe média preferem pagar colégios e serviços de segurança privados, bem como comprar geradores de energia próprios. Além disso, mostram resistência em pagar impostos. Com exceção do Brasil, a renda fiscal dos governos latino-americanos equivale, em média, a 17% de seu produto interno bruto, enquanto a maioria dos países do Norte coleta o dobro.

De La Torre alertou que “a América Latina corre o risco de entrar em uma era de má qualidade de serviços públicos, enquanto o pouco uso destes por parte da classe média leva a uma escassa disposição por mudanças. Pode-se estar evitando o círculo virtuoso”. O novo informe também exorta os legisladores da América Latina, explicitamente, a incorporarem a meta de iguais oportunidades nas políticas públicas.

O presidente do Banco Mundial afirmou que isto não é apenas uma questão moral, mas também econômica. “Os países que se concentraram em reduzir a desigualdade viram que isto é de fato bom para o crescimento econômico. A evidência da última década na América Latina é clara: o caminho para o crescimento deve incluir muitas pessoas mais”, opinou Kim. Envolverde/IPS