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Detidos na fronteira oriental – Parte 2

Fronteira. Foto: Reprodução/Internet

 

Varsóvia, Polônia, 19/12/2012 – Há exatamente 22 anos, em 18 de dezembro de 1990, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou a Convenção Internacional sobre Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migratórios e de Suas Famílias. Agora, “com as restrições orçamentárias, vemos medidas de austeridade que discriminam os trabalhadores migrantes, uma retórica xenófoba que incentiva a violência, e propostas de leis que permitem à polícia elaborar perfis dos migrantes com total impunidade”, disse o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em mensagem relativa ao Dia Internacional do Migrante, celebrado ontem.

As migrações, tão antigas quanto a humanidade, são cada vez mais comuns. Em 2000, havia 15 milhões de migrantes internacionais e agora são 214 milhões, que constituiriam o “quinto país mais povoado do mundo”, segundo a ONU. A mira está voltada para a União Europeia, cujas políticas migratórias geram críticas de vários setores.

Desde que aderiu ao bloco, em 2004, a Polônia deve custodiar uma fronteira de 1.200 quilômetros com Bielorússia e Ucrânia, dois Estados não membros da UE. Esta é uma das principais portas de entrada terrestre para a imigração, e assim este país se viu obrigado a fazer sua parte na segurança europeia. Enquanto se preparava para integrar-se à UE, a Polônia se retirou de antigos acordos de “livre circulação” com ex-repúblicas soviéticas: em 2003 foram reintroduzidos os vistos para russos, ucranianos e georgianos, que há 24 anos circulavam livremente.

Varsóvia também restringe a quantidade de pedidos de asilo que aceita. Desde a década de 1990, houve aumento gradual no número de solicitações, que passaram de 3.400 em 1998, para 10.500 em 2009. Contudo, a partir deste ano, a quantidade de solicitantes de asilo caiu, para cerca de 6.500 pedidos apresentados em 2010, e 6.900 no ano passado.

Em 2010, também diminuiu o número dos que receberam esta proteção internacional: segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), a Polônia reconheceu o caráter de refugiadas de apenas 82 pessoas, 38% das reconhecidas em 2009. Este ano, até meados do mês passado, 83 pessoas haviam recebido o status de refugiadas e 372 obtiveram uma forma secundária de proteção, embora os pedidos tenham aumentado. Em 2008, um ano após unir-se à Área de Schengen, espaço de livre circulação na Europa, a Polônia inaugurou ou modernizou os seis centros de detenção para imigrantes que atualmente opera.

Apesar das novas barreiras, imigrantes desesperados ainda encontram maneiras de entrar na Polônia, frequentemente com um custo muito alto. Estima-se que cerca de 150 mil imigrantes são empregados informalmente na construção na temporada alta, e que na maioria são ucranianos. É mais difícil estimar os números dos que se dedicam à agricultura ou fazem trabalhos domésticos. Igualmente difícil é garantir-lhes direitos.

Georgianos e russos de origem chechena constituem os maiores grupos de solicitantes de asilo na Polônia. Este ano houve cerca de 4.800 pedidos de cidadãos russos, na maioria chechenos, e quase três mil de georgianos. Os solicitantes de asilo, especialmente os procedentes do leste, despertam pouquíssima simpatia nas autoridades polonesas. Até agora, nenhum georgiano recebeu status de refugiado na Polônia. Segundo funcionários, frequentemente os imigrantes são “culpados de mentir” quando pedem asilo político, porque, na realidade, buscam trabalho na Europa ocidental.

“Se vêm por motivos puramente econômicos, é preciso atendê-los o melhor possível em nossos centros e depois devolvê-los aos seus países de origem. De outro modo, podem colocar em risco suas vidas e sua saúde tentando avançar para oeste”, explicou à IPS o coronel Andrzej Jakubaszek, diretor do Departamento de Estrangeiros da Guarda de Fronteira polonesa.

“Sempre os enviamos de regresso no prazo de dias, uma semana, um mês. Depois a UE nos pergunta o que fazemos para proteger as fronteiras externas da União”, acrescentou o coronel. Todas as autoridades migratórias polonesas têm muito presente o Regulamento Dublin II da UE, que exige registro das digitais dos imigrantes tão logo ingressem em território do bloco e que sejam devolvidos ao primeiro país pelo qual entraram se forem pegos em outro.

Entretanto, ativistas pelos direitos dos imigrantes criticam que o governo prefira uma política de detenções maciças antes de explorar outras opções. A detenção deveria ser usada somente como último recurso, segundo Aleksandra Chrzanowska, da Associação para a Intervenção Legal, uma organização que trabalha com imigrantes. Ela acredita que, para as populações que chegam à Polônia em busca de trabalho, com maioria de georgianos, o Estado polonês deveria considerar emitir permissões de emprego.

Os exageros sobre os imigrantes que chegam para “roubar os empregos poloneses” são resultado do alarmismo, segundo os ativistas. Em um país de 40 milhões de habitantes, alguns milhares de imigrantes que chegam por ano dificilmente representariam uma diferença significativa nos números de emprego.

A detenção destroi as vidas dos imigrantes. Detidos em vários centros poloneses, que falaram à IPS, descreveram uma alimentação pobre e falta de remédios essenciais e de uma muito necessária atenção psicológica. Além disso, denunciaram que não têm acesso à informação sobre seus direitos em idiomas que compreendam, e que só podem caminhar ao ar livre uma ou duas horas por dia.

“Uma das coisas mais importantes seria receber tratamento médico adequado”, disse Osman Rafik, um paquistanês detido no centro de Bialystok desde março. “Recebi pílulas de cálcio para a gripe e para minha úlcera de estômago. Mas, talvez, o mais importante seja mudar o comportamento dos guardas fronteiriços e acabar com as detenções, pelo menos com as muito prolongadas”, opinou.

As autoridades de acampamentos como o de Biala Podlaska, perto da fronteira da Bielorússia, e de Lesznowola, 15 quilômetros ao sul de Varsóvia, negam a maioria das denúncias. “Estamos conscientes de que os detidos aqui cometeram apenas crimes administrativos e não são criminosos, e fazemos o melhor que podemos para melhorar as condições, mas devemos considerar a segurança”, disse à IPS o major Wojciech Rogowski, diretor de Biala Podlaska.

A segurança pode ser invocada muito frequentemente, especialmente quando a detenção é a resposta essencial para a imigração. É usada para negar aos imigrantes o direito de usar o telefone celular ou a internet, para justificar uma política de controles permanentes de todos os corredores, para restringir as visitas e para reduzir o tempo que os detidos passam fora dos alojamentos. Organizações de direitos humanos alertam que a crise econômica na Europa alimenta uma arremetida contra os imigrantes.

Em países da Europa central e oriental, como a Polônia, que estão dispostos a seguir as tendências da UE mas carecem da capacidade para implantar medidas migratórias mais complexas, há risco de mais detenções maciças. “Cada vez há mais solicitantes de asilo detidos (na Europa central e oriental), seja pelas políticas nacionais mais severas ou pela falta de instalações abertas para alojá-los, os solicitantes acabam em centros de detenção”, diz um informe de 2011 do Acnur.

“Definitivamente, estas são políticas europeias”, disse Chrzanowska. “Os centros de detenção são construídos com dinheiro da UE, e há muita pressão para proteger as fronteiras. No entanto, tudo isso não deveria nos impedir de ver que estas pessoas não são criminosas e que devemos continuar buscando alternativas para elas”, ressaltou. Envolverde/IPS

* Este artigo é o último de uma série de dois sobre imigração na União Europeia.