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Mortes por sarampo, tragédia previsível no Paquistão

Uma campanha de vacinação acontece em oito distritos de Sindh. Foto: Adil Siddiqi/IPS

 

Carachi, Paquistão, 16/1/2013 – Zulfikar Ahmad Bhutta, especialista em saúde infantil da Universidade de Aga Khan, na cidade paquistanesa de Carachi, não está surpreso com o último foco de sarampo, que matou mais de 300 crianças. “A tragédia era previsível”, afirmou, apontando como causa principal a escassa cobertura dos programas de imunização infantil.

“A cobertura de vacinação regular do Paquistão é de aproximadamente 65%, e só algumas cidades da província de Punjab mostram melhores resultados”, disse em uma declaração o representante da Organização Mundial da Saúde (OMS) no Paquistão, Guido Sabatinelli. A OMS também indica que a ampla diferença na cobertura de imunização entre províncias, distritos e cidades do país é um dos fatores do último foco de sarampo.

Em 2011 houve cerca de quatro mil casos dessa doença, com 64 mortes. Os casos aumentaram no ano passado para 14 mil, com 306 mortes. A área mais afetada foi a província de Sindh, onde morreram 210 crianças, a metade em dezembro. O governo iniciou, no primeiro dia deste ano, uma vacinação em massa em crianças com idades entre nove meses e dez anos, em oito distritos de Sindh.

Maryam Younas, porta-voz da OMS, disse à IPS que 1,3 milhão de doses de vacina foram destinadas a uma população de 2,9 milhões de pessoas. O sarampo, uma infecção respiratória contagiosa causada por um vírus, pode ser transmitido por meio da tosse o do espirro. Segundo o médico Mohsina Noor, do Instituto Nacional de Saúde Infantil, em Carachi, a cidade mais povoada do país, os sintomas mais comuns são febre, tosse e irritação dos olhos. Em três ou quatro dias, desenvolvem-se erupções na pele, começando pelo rosto e espalhando pelo corpo. O hospital infantil onde Noor trabalha recebe, em média, de cinco a seis casos complicados a cada dia.

Para proteger uma criança do sarampo são necessárias duas doses da vacina, disponível desde 1960. Porém, a doença continua matando em todo o mundo, alerta a OMS. Em 2010 houve 139 mil mortes por sarampo em todo o mundo, equivalente a cerca de 380 por dia ou 15 por hora. Entretanto, isto representou uma queda de 74% em relação a 2000, graças às campanhas de vacinação.

Bhutta, membro da equipe de especialistas independentes sobre saúde materna e infantil da Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas, disse à IPS que outros países da região, como Bangladesh, Nepal e Índia, conseguiram erradicar o sarampo. “Inclusive no Afeganistão não houve importantes focos de sarampo nos últimos tempos”, destacou. O Paquistão, que se aproxima dos 200 milhões de habitantes, é um dos dez países onde residem quase dois terços de todas as crianças não vacinadas do mundo. Os outros nove são Afeganistão, Etiópia, Índia, Quênia, Moçambique, Níger, Nigéria, República Democrática do Congo e Uganda.

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), uma em cada dez crianças no Paquistão morre antes de chegar aos cinco anos de idade, a maioria por doenças que podem ser prevenidas com vacinas. O ministro da Saúde de Sindh, Sahgir Ahmed, reconheceu à IPS que a província tem recursos limitados: pôde distribuir apenas 2.448 vacinadores, isto é, apenas “um para cada centro médico, incluindo os rurais e os das cidades”.

A pediatra D. S. Akram, diretora da organização não governamental Help, que trabalha em saúde materna e infantil em vários distritos de Sindh, disse à IPS que “a distribuição de vacinadores é desigual”, além de “muitos serem designados politicamente e não cumprirem seus deveres. Quase nenhum procura alcançar as aldeias, pois são muito poucos e não têm combustível nem veículos para fazer isso”, contou a médica.

O último foco coloca em dúvida a afirmação oficial de que 82% das crianças menores de cinco anos em Sindh estão vacinadas. “Estes números estão supervalorizados, e a imunização contra o sarampo chega a 50%, no melhor dos casos”, opinou Akram, que pediu uma avaliação por especialistas independentes. Um estudo nacional sobre imunização realizado em 2011, que incluiu exames de sangue para tétano e sarampo, demonstrou que apenas 50% ou 55% das crianças paquistanesas estavam protegidas com anticorpos suficientes.

A situação em Sindh, disse Bhutta, teria se agravado pelas altas taxas de desnutrição. O especialista citou o Estudo Nacional de Nutrição de 2011, segundo o qual metade de todas as crianças menores de cinco anos apresentavam, nas zonas rurais de Sindh, durante esse período, problemas moderados ou graves de desenvolvimento, bem como carências de vitaminas A. Esses fatores podem ter favorecido as altas taxas de infecção de sarampo, pontuou.

Muitos especialistas insistem em afirmar que há muito tempo que a luta contra o sarampo ficou atrasada, depois que a maior parte dos recursos foi destinada à erradicação da poliomielite. “Não há dúvida de que a erradicação da pólio é importante, mas também é importante a erradicação de outras doenças que afetam as crianças”, ressaltou Noor. Envolverde/IPS