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Execuções e medo do autoritarismo em Taiwan

Taipé, Taiwan, 18/1/2013 – Ativistas de Taiwan pelos direitos humanos começaram o ano com a promessa de impedir “uma volta ao autoritarismo” e levar justiça às famílias de prisioneiros que foram executados pouco antes do Natal. Advogados especialistas em direitos humanos pretendem apresentar acusações contra o ministro da Justiça, Tseng Yung-fu, e também pedir seu julgamento político por ordenar “ilegalmente” a execução de seis condenados à morte, com a confirmação da Suprema Corte de Taiwan.

Os homens foram executados em 21 de dezembro, com disparos contra suas cabeças e seus corações em três prisões do país, sem prévia notificação às famílias ou advogados, o que eleva a 19 o número de pessoas executadas desde que chegou ao poder o Partido Nacionalista Chinês (Kuomintang, ou KMT). O presidente Ma Ying-jeou pôs fim a uma moratória de cinco anos para a pena de morte, que o governo anterior havia iniciado, com quatro execuções em 30 de abril de 2010. Atualmente há 55 condenados à morte aguardando o cumprimento da sentença.

Esta série de execuções foi a terceira realizada desde que Taiwan ratificou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (ICCPR) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ICESCR), em 2009. O presidente promulgou a decisão em dezembro de 2009 para incorporar padrões internacionais diretamente nas leis do país. Porém, ativistas locais afirmam que a decisão das autoridades de realizar as execuções passou por cima de uma petição apresentada por destacados especialistas internacionais em direitos humanos, determinados a avaliar o cumprimento de Taiwan com os dois convênios no final de fevereiro daquele ano.

Manfred Nowak, ex-relator especial das Nações Unidas sobre Tortura, e Eibe Riedel, integrante do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, emitiram uma carta conjunta em 21 de novembro, chamando o presidente a não executar mais pessoas antes da avaliação de fevereiro. Segundo Tseng, o Ministério da Justiça “não teve opção a não ser realizar a execução”, depois que o principal suspeito em um caso de assassinato infantil desatou a ira pública ao afirmar que sabia que não seria executado e que poderia “desfrutar” de uma vida na prisão. Também declarou que o Ministério “nunca prometeu acabar com a pena de morte”.

Pouco depois das execuções, uma coalizão de organizações de direitos humanos de Taiwan apresentou uma moção de julgamento político contra o ministro da Justiça ao Controle Yuan, braço do governo responsável por vigiar a corrupção entre os funcionários. A petição, apresentada pessoalmente ao comissariado do Controle Yuan, Yeh Yao-peng, pelo representante da Covenants Watch, Kao Yung-cheng, afirma que a assinatura de Tseng nas ordens de execução do dia 21 de dezembro “viola o artigo 6-4 do ICCPR, que foi ratificado por nosso país e que entrou em vigor no direito interno mediante a Lei de Implementação”, e que o ICCPR determina que “todo aquele que esteja sentenciado à morte terá direito a pedir perdão ou comutação da sentença”.

Lin Hsin-yi, diretor da Aliança de Taiwan Contra a Pena de Morte, disse à IPS que sua organização ajudou 44 condenados à morte, entre eles os seis executados no mês passado, a apresentarem petições formais de anistia, perdão ou comutação de suas sentenças ao presidente no dia 29 de março de 2010. O presidente não deu detalhes de ter aprovado ou rejeitado as petições.

Em seu comunicado de 21 de dezembro anunciando as execuções, o Ministério da Justiça diz que as realizou segundo as leis existentes, entre elas a de anistia, que não especifica um procedimento para as petições. Contudo, Kao disse à IPS que foi cobrado legalmente de Tseng que respeite o direito de petição de anistia e “se certificasse primeiro que o presidente já havia rejeitado pedidos de anistia antes de realizar” as execuções. A petição conclui que o ministro da Justiça “cometeu uma grave violação da lei e negligência de autoridade”, e pediu ao Controle Yuan que submeta Tseng a julgamento político, como exemplo para outros funcionários que desacataram abertamente os compromissos assumidos pelo país.

Kao disse à IPS que a solicitação de julgamento político “é diferente da questão da abolição, mas implica justiça de procedimento. Se as pessoas podem ser executadas, independente dos motivos, sem cumprir o devido processo legal, Taiwan voltará a ser colocado no caminho do autoritarismo”, alertou. Também afirmou à IPS que organizações de direitos humanos estudam apresentar acusações penais contra Tseng, que poderia ser punido pelo artigo 127 do Código Penal com até cinco anos de prisão.

A União Europeia e organizações nacionais e internacionais de direitos humanos também denunciaram as execuções. A vice-presidente da Comissão Europeia (braço executivo do bloco), Catherine Ashton, “deplorou” as execuções e pediu a Taipé que “adote medidas concretas para reduzir o uso da pena capital, a fim de permitir o reinício da moratória de fato”. A diretora da Anistia Internacional para o leste asiático, Roseann Rife, qualificou a ação como “matança a sangue frio por parte das autoridades de Taiwan”.

Os ativistas também alertaram que as execuções têm o potencial de prejudicar ainda mais a qualidade do processo judicial. Liao Fu-teh, pesquisador da Instituição Acadêmica de Jurisprudência e membro do comitê assessor da Presidência sobre direitos humanos, disse à IPS que “a pena de morte pode estar sendo usada como ferramenta de intimidação”. Liao citou notícias da imprensa de 23 de dezembro, segundo as quais uma suspeita detida em Hualien, para ser interrogada sobre o assassinato de sua mãe, ficou “assustada” com as execuções e, após três meses negando, confessou ter cometido o crime junto com seu noivo. Isto para evitar ser executada.

As críticas à falta de respeito oficial aos dois convênios se intensificaram durante 2012. No dia 10 de dezembro, uma coalizão de organizações da sociedade civil entregou ao presidente uma placa de papel pintada de dourado por “pisotear os direitos humanos”, bem quando o presidente Ma apresentava o Prêmio Asiático para a Democracia e os Direitos Humanos à ECPAT Internacional, com sede na Tailândia, no Far East Plaza Hotel, em Taipé. Envolverde/IPS