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Senegal tenta pôr freio ao “baby boom”

Apenas 12% das senegalesas usam anticoncepcionais. Foto: karah24 /CC-BY-ND-2.0

 

Dacar, Senegal, 23/1/2013 – Uma mãe de 25 anos, originária da província senegalesa de Tambacounda, acredita que os anticoncepcionais prejudicam o útero e causam problemas à saúde no longo prazo, como aumento da pressão arterial e enxaquecas crônicas. “Foi isso que ouvi de algumas mulheres em um ônibus”, disse à IPS esta mãe de cinco filhos, que mora em Dacar desde que se divorciou. Tinha 16 anos quando foi obrigada a se casar com seu primo de 35, que bateu nela e a ameaçou apenas por ter sugerido o uso de anticoncepcionais. “Me bateu e jurou que me mataria se voltasse a falar disso. Então, continuei tendo filhos”, contou.

Devido a ideias equivocadas sobre planejamento familiar, dogmas religiosos e falta de serviços de saúde reprodutiva, milhares de mulheres por todo o Senegal sofrem. Ter filhos é um sinal de riqueza neste país da África ocidental com 12 milhões de habitantes, um conceito que incentivou o baby boom (auge da natalidade), afirmam especialistas. “Esta antiga crença implica que ter mais filhos significa mais mão de obra para trabalhar na terra, ou a possibilidade de ver seu filho conseguir ser um homem rico, ministro ou presidente da república”, disse à IPS a conselheira matrimonial Fatoumata Sow.

“Enquanto isso, muitas filhas trazem para seus pais dinheiro ou gado como dote quando se casam”, acrescentou Swo. “Desde que as mulheres se casam, começam a ter filhos”, contou, ela mesma mãe de nove. “Embora esteja usando o Senegal como caso de estudo, esta é uma tendência em toda a África ocidental”, acrescentou, explicando que o planejamento familiar é um tabu em muitas partes da região, sobretudo em comunidades rurais onde o analfabetismo é grande e os serviços de planejamento familiar não existem.

“A falta de políticas efetivas sobre planejamento familiar e a ideia de que os filhos são símbolos de riqueza prejudicam seriamente a fábrica social do Senegal”, disse à IPS um médico de um dos hospitais públicos do país, que não quis se identificar por medo de represálias das autoridades. “Pergunto a cada mulher grávida que consulto se alguma vez usou anticoncepcional, e a resposta que recebo sempre é que não”, afirmou.

Só 12% das senegalesas usam anticoncepcionais, segundo a ministra da Saúde e Ação Social, Awa Marie Coll-Seck, em uma conferência em Londres no ano passado. Coll-Seck, que confessou que a taxa de uso de anticoncepcionais em seu país é uma das menores do mundo, afirmou que o governo tenta fazer com que aumente dos 12% atuais para 27% até 2015. Isto significa conseguir aumento de cinco pontos percentuais ao ano. “É possível”, disse, otimista, a ministra à imprensa em Dacar.

Em um esforço para criar consciência e romper os estereótipos, o governo lançou no ano passado um plano de ação nacional pelo planejamento familiar. A iniciativa chega no tempo certo. Segundo a ministra, uma em cada duas mulheres deseja ter mais tempo entre uma gravidez e outra, mas não tem acesso a métodos seguros para fazer isso. A campanha também terá o objetivo de sensibilizar os homens sobre a importância do planejamento familiar como assunto do casal, e não apenas das mulheres.

O governo traçou a meta de assistir 350 mil mulheres nos próximos três anos, e para isso dividiu a campanha em três fases, segundo o diretor nacional de Saúde Reprodutiva e Sobrevivência Infantil, Bocar Mamadou Daff. A primeira é gerar consciência por intermédio de meios de comunicação de massa, com mensagens a setores específicos da população e integrando líderes políticos para que apoiem publicamente o planejamento familiar.

A segunda implica a criação de um sistema de distribuição de anticoncepcionais nas comunidades, integrando também o setor privado, disse Daff. E a terceira etapa consiste em verificar e garantir que os métodos de planejamento familiar sejam acessíveis a todas as pessoas que necessitam. Segundo Sow, um melhor planejamento familiar também pode ajudar o governo a resolver problemas relacionados, com os quais luta há muitos anos, como desnutrição e falta de moradias.

Em dezembro, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) informou ter proporcionado tratamento vital a mais de 850 mil meninas e meninos severamente desnutridos na região do Sahel, zona afetada por uma grave fome desde 2012. O Senegal apresenta uma das taxas mais altas de desnutrição aguda do mundo. Na província de Matam chega a 19%, segundo o Programa Mundial de Alimentos. “Onde há muitas crianças para alimentar, o chefe de família deve ter muito dinheiro para atendê-los, de outra forma ficarão doentes pela fome e morrerão, ou acabarão nas ruas pedindo esmolas”, advertiu Sow.

Porém, nem todos aprovam a nova campanha do governo. Muitos líderes muçulmanos conservadores como Al-Hajj Ibrahima Dieng acreditam que são práticas “anti-islâmicas”. Dienge declarou que “é Alá que nos dá filhos, e cabe a ele prover tudo o que necessitam para permitir que cresçam fortes e saudáveis”, disse à IPS este religioso, pai de 15 filhos. “Quer que seja diferente? Juro por Alá que nunca serei parte desse absurdo”, acrescentou.

Outros, como o respeitado imã Mbara Segnane, estão muito preocupados com o baby boom. Este religioso afirmou em 2012 que o governo deveria resolver o problema. Inclusive sugeriu que as autoridades impusessem um limite de filhos por família. No entanto, alguns especialistas, como Sow, acreditam que a mudança só se conseguirá paulatinamente. “Penso que como sociedade ainda não estamos prontos para uma evolução assim. As tradições e crenças culturais afetaram tanto nossa mentalidade e nos lavaram o cérebro de tal forma que estamos cegos. Mas, ainda há esperança”, ressaltou. Envolverde/IPS