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América Latina se fortalece diante da Europa

O presidente chileno, Sebastián Piñera, tendo ao lado Herman Van Rompuy (E) e José Durão Barroso. Foto: Marianela Jarroud/IPS

 

Santiago, Chile, 29/1/2013 – Os países da América Latina e do Caribe conseguiram fortalecer sua posição diante da Europa, ao chegarem a convênios que protegem seus recursos naturais dos investimentos estrangeiros e condenarem o bloqueio comercial dos Estados Unidos contra Cuba, na cúpula conjunta realizada na capital chilena. Os 33 governantes e altos representantes da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) conseguiram modificar a seu favor os artigos mais importantes, que estabelecem o contexto jurídico para os investimentos estrangeiros na região, contidos na Declaração de Santiago, assinada no dia 27 com os 27 Estados-membros da União Europeia (UE).

“O tema da segurança jurídica é a principal divergência com o bloco europeu, mas não porque os países da região não queiram outorgá-las, mas porque cada um tem os próprios ponto de vista e processo adotado”, disse à IPS a ministra de Comunicações da Bolívia, Amanda Dávila. “Os países da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) expressaram sua opinião sobre a soberania e sua legítima posição para adotarem suas próprias políticas, e que não concordam com posições e compromissos a respeito de posturas que venham de outros blocos”, acrescentou a ministra.

Dávila afirmou que na declaração final da Cúpula Celac-UE “é dado um grande passo, um êxito importante”, porque avança em “assentar a soberania como fez a região da América Latina em relação às Ilhas Malvinas, a Cuba e à demanda marítima”. A referência da ministra à exigência da Alba – formada por Antiga e Barbuda, Bolívia, Cuba, Dominica, Equador, Nicarágua, São Vicente e Granadinas, e Venezuela – é pela inclusão da reclamação de soberania da Argentina sobre o arquipélago localizado ao sul do Oceano Atlântico em poder da Grã-Bretanha, do bloco norte-americano contra Cuba e a petição de La Paz por uma saída soberana para o Oceano Pacífico.

Por fim, a Declaração de Santiago estabelece “a importância de proporcionar segurança jurídica para os operadores econômicos” e compromete “um ambiente de negócios favorável para os investidores”. Dávila afirmou que os investidores devem atuar “reconhecendo o direito dos países de estabelecer regulações para cumprimento de seus objetivos de política nacional em conformidade com seus compromissos e obrigações internacionais”.

Em coincidência, o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o brasileiro Graziano da Silva, disse à IPS que o mundo está acostumado “a tratar o investimento a partir de uma dimensão privada da vontade de quem o faz, supondo que sempre o país que recebe os capitais tem de estar sujeito à vontade do outro. Mas isso mudou”. E a ministra Dávila acrescentou que “é preciso conseguir um grande acordo sobre o tema para garantir que os investimentos sejam responsáveis e, portanto, sejam respeitados”.

Segundo dados oficiais, o comércio entre os países da Celac e a UE registraram um crescimento médio anual de 13% entre 2002 e 2011, chegando a US$ 276 bilhões em 2011, e expansão de 23,9% no ano passado, em relação ao anterior. Quanto ao movimento de capitais entre as duas regiões, o Fundo Monetário Internacional indica que o estoque de Investimento Estrangeiro Direto (IED) da UE na Celac chegou a US$ 613 bilhões em 2011, representando 47% da recebida pela região e 5% do total colocado pelos membros da UE no mundo.

O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, recordou em entrevista coletiva que este bloco continua sendo o principal investidor na América Latina e no Caribe, e também criticou a “tendência de dar demasiada atenção a incidentes ou medidas específicas”, em referência às expropriações realizadas nos últimos anos na Argentina, Bolívia e Venezuela. Apesar do êxito impulsionado pelos representantes da Alba liderados pela Venezuela, a declaração final da Cúpula de Santiago também estabelece um compromisso para “evitar o protecionismo em todas as suas formas”, para “favorecer um sistema de comércio multilateral aberto”.

Nessa linha, Rompuy disse que “esperam ansiosos” pelo acordo com o Mercosul, formado por Argentina, Brasil, Paraguai (suspenso), Uruguai e Venezuela. Estas negociações, que estão paralisadas há anos, pareciam estar longe de recomeçarem após a imposição de medidas protecionistas por parte de Argentina e Brasil como forma de defesa diante da crise econômico-financeira que afeta o Norte industrial, em particular a UE. Porém, Rompuy se mostrou otimista em voltar à mesa de negociações bilaterais. No mesmo sentido se pronunciou a chefe de governo da Alemanha, Angela Merkel, que pediu para que se destrave o acordo, após reclamar o fim do protecionismo.

Na Cúpula Celac-UE, que marcou sua próxima edição para 2015 em Bruxelas, também foram anunciados acordos de livre comércio entre Europa, Peru e Colômbia, e entre o próprio organismo regional e a América Central. Nessa linha, Graziano destacou que um acordo UE-Mercosul “nos permitirá integrar mais as economias, tanto a parte agrícola, quanto a de serviços e a industrial”. Também expressou seu desejo de “progresso e superação das barreiras que ainda separam essa oferta de um acordo real e efetivo”.

A Declaração de Santiago, de 14 páginas, também apresenta acordos em mais de 40 pontos, que incluem seu compromisso com o multilateralismo, respeito aos povos originários, igualdade de gênero, direitos humanos e rechaço ao terrorismo. Os governos das duas regiões também se comprometeram em alcançar “um desenvolvimento sustentável, econômico, social e ambiental”, e expressaram sua preocupação pela crise econômica global e também “pelo fato de a recuperação continuar sendo muito lenta”.

Em outro trecho, os signatários rechaçam “firmemente todas as medidas coercitivas de caráter unilateral com efeito extraterritorial que são contrárias ao direito internacional e às normas comumente adotadas de livre comércio”. No documento final da Cúpula de Santiago, os signatários assinalam que este tipo de prática representa uma grave ameaça ao multilateralismo. E afirmam que, “neste contexto e com referência à resolução da Assembleia Geral da ONU, reafirmamos nossas posições bem conhecidas sobre a aplicação das disposições extraterritoriais da lei Helms-Burton”. A referência é à lei norte-americana que aprofundou o bloqueio contra Cuba, que assumirá a presidência temporária da Celac.

Para o chileno Guillermo Holzmann, especialista em política, embora a Celac não tenha chegado à cúpula com uma voz única, pois há posições dentro da região que são muito divergentes, se constituiu em uma só organização que tem hoje “um espaço de consolidação relevante”. Nessa linha, afirmou à IPS que a região se fortalece porque é parte da solução para a crise econômica que a Europa atravessa, mas já não como parte “de uma relação de dependência”. Envolverde/IPS