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Onde andar de bicicleta é melhor do que fabricá-las

As bicicletas ajudam a aumentar as exportações do Camboja, mas à custa do salário dos trabalhadores. Foto: Michelle Tolson/IPS

 

Phnom Penh, Camboja, 1/2/2013 – Uma revista especializada em negócios do Camboja destacou o crescimento imprevisto do setor “máquinas e equipamento de transporte” e especulou sobre a “incidência das bicicletas” no fenômeno. Mas este avanço econômico se baseia em trabalhadores com salários irrisórios. Quando o país ficou entre os dez maiores exportadores de bicicletas para a União Europeia (UE) em 2012, a Associação Europeia de Fabricantes de Bicicletas (EBMA) começou a investigar como ocorreu esta mudança no mercado do bloco.

Em 2011, o Camboja vendeu 366 mil bicicletas para a UE e “na primeira metade de 2012 quase triplicou essa quantidade”, informou Bibeeu.com. a EBMA descobriu que alguns fabricantes de bicicletas haviam deslocado sua produção da Tailândia e da China para o Camboja por questões de custos. Estima-se que essa iniciativa permitiu que economizassem 14% em impostos.

Existe um programa favorável para países menos adiantados (PMA) sob o Programa Generalizado de Preferências (GSP), conhecido como o acordo Tudo Menos Armas (EBA), que permite que os 48 países considerados menos adiantados exportem seus produtos livres de impostos para a UE desde que não sejam armas e munições.

Lançado no começo de 2011, o EBA permitiu um aumento de 53% nas vendas aos países europeus nesse ano e converteu o Camboja no segundo exportador da UE depois dos Estados Unidos, segundo a imprensa especializada.

O aumento de custos na China e na Tailândia foi atribuído em parte ao aumento salarial. O salário mínimo passou neste segundo país para 300 baht (cerca de US$ 10) por dia, e no primeiro para US$ 400 por mês. Muito mais do que no Camboja, onde é de US$ 61 mensais.

A empresa Strongman e A & J, que figura como filial da Atlantic Cycle Company, abriu sua fábrica no Camboja em 2005. Um site do governo que informa sobre os investimentos neste país mostra três instalações manufatureiras na “zona de Tai Seng”, na província de Svay Reing (A & L, Atlantic Cycle Co. e Smart Tech) e uma quarta, BestWay Industry, na “zona de Manhattan”.

A Zona Econômica Especial oferece vantagens aos investidores, um tapete vermelho com impostos e salários baixos, facilidades para os negócios e uma população “jovem e educada”, segundo informe da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).

O documento diz que há 1.500 trabalhadores no setor de bicicletas. O salário mínimo que figura desde 2008 é de US$ 60 ao mês ou US$ 0,33 por hora, sendo necessário trabalhar seis dias por semana para chegar aos US$ 60. Isto mostra que em quatro anos não houve aumentos.

Com os baixos salários, os trabalhadores se organizam para fazer um fundo comum e compartilhar a comida, segundo Srun Srorn, ativista e consultor, que explicou como se ajeitam para viver com renda inferior a dois dólares por dia. “Em geral, quatro amigos entram com US$ 0,12 para poderem comer”, contou.

Há fábricas que incluem um valor para alimentação com o salário. os trabalhadores têm curtos períodos de descanso e compram comida em pequenos postos do lado de fora das fábricas. Outras incluem um valor para transporte. Não há um sistema público no Camboja, por isso os trabalhadores são obrigados a pagar mototáxi, que custa entre US$ 0,50 e US$ 1 cada viagem.

Em meados de dezembro, cerca de mil trabalhadores de uma fábrica da Smart Tech em Svay Rieng fizeram uma greve pedindo aumento salarial. Dois meses antes, houve outra paralisação em A & J. Moeun Tola, advogado do programa trabalhista do Centro Comunitário de Educação Legal, disse que os trabalhadores não estavam filiados a nenhum sindicato e que organizaram a greve sozinhos. “Não tiveram assessoria, mas vamos oferecer-lhes assistência legal”, disse à IPS.

Better Factoris (Melhores Fábricas), um programa da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criado para ajudar os trabalhadores, mas agora só ajuda os do setor de vestimenta, segundo uma fonte olvida pela IPS.

Nhanh Kosol contou à IPS alguns detalhes da mobilização dos trabalhadores e disse que seu salário continua sendo de US$ 61, mas os empregadores aceitaram pagar subsídio de US$ 13 por transporte ao mês, além de horas extras, que podem ser de dois a cinco por dia, segundo a fábrica. Em caso de cinco horas, são pagos mais US$ 3.

Kosol pensou que trabalhar em uma fábrica de bicicletas não “era tão ruim porque pelo menos tinha um emprego”, contou. “Alguns dias as condições de trabalho são boas, em outros são ruins, mas o salário na basta para viver e tudo aumenta”, acrescentou. Nos dois anos em que está nesse emprego os funcionários já fizeram duas ou três greves, “pode ajudar, mas não muito”, lamentou.

Bike EU situa o preço da unidade importada do Camboja em 200 euros (US$ 269). Os Estados Unidos também registraram aumento nas importações de bicicletas cambojanas, segundo estatísticas de comércio exterior. Em 2009, as importações no item “brinquedos, jogos e artigos esportivos e bicicletas” chegou a US$ 2,06 milhões. No ano seguinte triplicou para US$ 6,8 milhões e em 2011 chegou a US$ 10,3 milhões.

Consultado sobre quanto pensa que custam as bicicletas que ajuda fabricar, Kosol disse que entre US$ 1,4 mil e US$ 3 mil. O valor menor representa cerca de 25 vezes seu salário mensal. Envolverde/IPS