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Jihadistas abandonam o norte de Mali, mas o medo permanece

Automóveis queimados e tanques do exército abandonados são testemunhas dos combates em Diabali, centro de Mali. Foto: Marc-André Boisvert/IPS

 

Diabali, Mali, 5/2/2013 – “Sabemos que estão perto. Não nos sentimos seguros”, disse Alassane Traoré olhando o caminho pelo qual um grupo de rebeldes islâmicos entrou nesta cidade do centro de Mali há duas semanas. Diabali fica 250 quilômetros a nordeste de Bamako, capital do país. Traoré, ele próprio muçulmano e muezim, encarregado de chamar a oração e recitá-la na mesquita local, ficou nervoso quando viu a fila de caminhonetes com jihadistas da rede extremista Al Qaeda circulando pela cidade no dia 14 de janeiro, tanto que decidiu colocar sua mulher e filhos em local seguro.

“Eram violentos e destruíram tudo, podem voltar a qualquer momento”, disse Traoré à IPS diante de sua modesta mesquita pintada de azul. “Os vimos aspirar um pó branco. Não são bons muçulmanos”, acrescentou. No ano passado, quase dois terços deste país da África ocidental foi ocupado por uma coalizão de grupos armados, integrada por Al Qaeda no Magreb Islâmico (Aqim), Movimento pela Unidade, e Jihad e Ansar Dine, uma organização islâmica de tuaregues. Estes são um povo nômade amazigh, que ocupa partes de Mali e Níger.

Os islâmicos radicais, que defendem a imposição da shariá (lei islâmica), assumiram o controle de Diabali durante uma semana, até que forças da França e o exército de Mali conseguiram expulsá-los no dia 21 de janeiro. Precisamente, a tomada de Diabali pelos insurgentes motivou a intervenção francesa, solicitada pelo presidente interino, Dioncounda Traoré, que acabou expulsando os combatentes islâmicos de três importantes cidades do norte do país.

Dois automóveis queimados e tanques do exército abandonados lembram aos visitantes os violentes enfrentamentos na pequena cidade rodeada por arrozais. Bandeiras francesas ondeiam em estabelecimentos comerciais e motocicletas, colocadas pela população local, convencida de que os 2,5 mil soldados da França a salvou de um regime islâmico. Os rebeldes armados, apesar de analfabetos, “estavam melhor treinados e equipados do que o exército de Mali”, disse à IPS o soldado da reserva Diakaridia Doumbia, atual conselheiro desta localidade.

“Disseram que estavam contra o governo, não contra a população. Mas não acreditamos”, disse à IPS o prefeito de Diabali, Oumar Diakité. “Ouvimos sobre a shariá no norte, sobre amputação e açoites. Muita gente fugiu sabendo o que aconteceria, apesar de os terroristas tentarem enganá-los se fazendo simpáticos”, destacou. As forças especiais francesas seguiram para o norte, e a vida aqui parece que voltou ao normal. Nos arredores foi estabelecida uma pequena guarnição de soldados de Mali à espera de aproximadamente 4,5 mil soldados africanos, que serão enviados a este país nas próximas semanas.

Um pouco mais ao norte, os residentes de Dogofiri não compartilham do entusiasmo dos moradores de Diabali. As pessoas olham para baixo e se recusam a falar com estrangeiros. “Sabemos que os terroristas ainda estão escondidos no mato. Podem voltar a qualquer momento e aplicar represálias”, disse à IPS o comerciante Ousmane Diarra. Os poucos postos de controle no caminho poeirento, sob a guarda de dois ou três soldados do exército com sandálias de plástico, não dão garantias à população local.

“O exército de Mali não conseguiu deter o avanço islâmico, fugiu. E, apesar dos ataques, a segurança não foi reforçada”, disse à IPS um morador do lugar que não quis se identificar. “Pode acontecer novamente a qualquer momento”, destacou. Além disso, muita gente também teme o exército regular. “Soldados bateram em um idoso. Também executaram um homem em plena luz do dia. Disseram que colaborava com os islâmicos”, contou à IPS outro morador de Dogofiri. Nesta localidade os tuaregues e os árabes, que se destacam por sua pele mais clara, costumam vender seus produtos no mercado local, mas se foram depois disso. “Há ansiedade. As pessoas temem o exército”, declarou uma fonte.

No dia 1º, a organização Human Rights Watch, com sede em Nova York, acusou o exército de Mali, responsável pela queda do governo em março de 2012, de executar 13 islâmicos em plena luz do dia. Em setembro, a poucos quilômetros de Diabali, o exército de Mali executou 16 pregadores muçulmanos desarmados que cruzavam a fronteira para a Mauritânia. A Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH), com sede na França, registrou pelo menos 11 execuções extrajudiciais em janeiro por parte do exército.

“Não é uma questão racial”, disse Diakité. “A primeira pessoa assassinada em Diabali pelos islâmicos foi um tuaregue. Sabemos quem é bom e quem é mau. Em Mali, todos temos familiares de outras raças. Inclusive tuaregues. Há delinquentes e há maleses. Mali é um país multicultural e vivemos todos juntos”, ressaltou o prefeito. Contudo, há outras suspeitas que mantêm a cidade em estado de alerta e desejosa de que se faça justiça.

Desde que a população local viu entre as forças islâmicas dois militares de alta patente do exército de Mali que costumavam servir em Diabali, a comunidade acredita que os rebeldes tenham apoio local. “As pessoas querem vingança, especialmente os jovens”, disse Doumbia. “Identificamos colaboradores que passaram informação aos terroristas, os consideramos traidores”, enfatizou. Uma vez que a situação se acalme, “vou denunciá-los e haverá justiça”, assegurou. “Enquanto isso, somos um país em guerra”, ressaltou. Envolverde/IPS