Rio de Janeiro, Brasil, 8/2/2013 – O Brasil já entrou no carnaval, que habitualmente paralisa por uma semana a agenda política do país. Mas este ano o patrocínio de uma multinacional a uma escola de samba levou à festa a controvérsia sobre o uso dos agrotóxicos. A escola de samba Unidos de Vila Isabel levará para a avenida o enredo “A Vila canta o Brasil, maior celeiro do mundo – Água no feijão que chegou mais um”, que homenageia os agricultores.
“… Saciar a fome com a plantação… arar e cultivar o solo, ver brotar o velho sonho de alimentar o mundo…”, são partes do samba-enredo composto por Arlindo Cruz, Martinho da Vila, André Diniz, Tonico da Vila e Leonel, para o desfile criado pela carnavalesca Rosa Magalhães. Trata-se de uma homenagem bem recebida por grupos como o Movimento dos Sem-Terra (MST), que faz parte da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
“A letra do samba reflete de forma impecável a beleza da agricultura camponesa e familiar brasileira”, disse à IPS a ativista Nivia dos Santos, integrante da coordenação nacional dessa campanha e da direção do MST no Rio de Janeiro. “É um tema importante para nós, que lutamos por uma agricultura sem venenos e que possa produzir alimentos saudáveis para toda a população”, destacou. Contudo, o MST denuncia um problema: o patrocínio do desfile da Vila Isabel, uma das 12 escolas do Grupo Especial do carnaval carioca, recebeu o apoio financeiro do grupo transnacional alemão Basf, a maior companhia química do mundo, com importante presença no Brasil.
“Denunciamos que a Vila Isabel está sendo usada pelo agronegócio brasileiro para promover sua imagem, manchada pelo veneno, pelo trabalho escravo, pelo desmatamento, pela contaminação das águas do país e por tantos outros problemas”, diz a carta enviada à direção da escola de samba pela campanha contra os agrotóxicos. “O agronegócio, que não derrama uma gota de suor na enxada, nem compartilha nem protege e muito menos abençoa a terra, quer se apropriar da imagem dos camponeses e da agricultura familiar”, destaca a carta.
O objetivo é “continuar lucrando à custa do envenenamento do povo brasileiro”, acrescenta a campanha, em um jogo de palavras com a letra do samba-enredo. “O que causou espanto e insatisfação é que este bonito desfile seja patrocinado pela Basf. Esta multinacional alemã produz agrotóxicos e causa degradação ambiental e contaminação de nossos alimentos”, disse Nívia dos Santos.
Em um comunicado enviado à IPS, a Basf Brasil respondeu que apoia o desfile pela “oportunidade de abordar uma mensagem amplamente discutida nacional e internacionalmente (a produção de alimentos de qualidade para atender a crescente demanda da população mundial), de forma lúdica e acessível a todos os públicos”. No comunicado a empresa assegura que o patrocínio é parte da estratégia de sua Unidade de Produção de Cultivos da América do Sul, “cujo enfoque principal é a valorização da agricultura nacional”.
A direção da Vila Isabel, bicampeão do carnaval carioca, explica que aceitou esse apoio para seu desfile porque a verba dada pela prefeitura é insuficiente. As escolas têm de investir enormes recursos em fantasias, efeitos especiais e luxuosas alegorias e carros alegóricos, entre outras exigências do desfile. “Nosso carnaval é a valorização do homem do campo. Não colocaremos na avenida nenhuma máquina agrícola”, explicou a Vila Isabel.
“Em nossas fantasias e alegorias retratamos a natureza e o homem do campo, não apenas os grandes agricultores”, afirmou a vice-presidente da Vila Isabel, Elizabeth Aquino, segundo um comunicado do MST. Elizabeth acrescentou que o regulamento da Liga Independente das Escolas de Samba, que organiza o desfile no Rio, proíbe qualquer tipo de comercialização e, por isso, nem o nome nem o logotipo da Basf aparecerão no sambódromo. Não haverá apologia da Basf, insistiu, acrescentando que “falamos de preservação de animais”.
O MST recordou que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o pequeno agricultor produz 70% dos alimentos consumidos pelas famílias no país, apesar de ocupar apenas 25% da terra cultivada. Também destacou que, apesar de receber apenas 14% do crédito oficial para a produção do setor, a agricultura familiar emprega nove vezes mais pessoas por área cultivada e gera um terço das exportações agropecuárias.
“O outro modelo de produção agrícola, o agronegócio, recebe 86% do crédito e tem 75% das terras, mas produz apenas 30% dos alimentos que compõem a alimentação da população”, diz o IBGE. A Basf Brasil apelou para outros números. Recordou que, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em dez anos a demanda mundial por alimentos crescerá 20% e que o Brasil poderá satisfazer 4% dessa demanda adicional.
A empresa acrescentou que nos últimos 35 anos o país deixou de ser importador para se converter em um dos maiores exportadores de alimentos, e que o agronegócio contribui há 13 anos de maneira “decisiva” com o superávit primário em sua balança comercial. “A companhia acredita que o agricultor brasileiro pode ajudar a alimentar o mundo de forma sustentável”, afirmou a Basf Brasil.
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida tem outra visão. Na carta enviada à Vila Isabel destaca que a quantidade de agrotóxicos usados na agricultura brasileira causou a contaminação de rios, da água da chuva, do solo e até do leite materno. “Os danos à saúde vão desde dores de cabeça, tontura até câncer, incluindo os de cérebro, pulmão, próstata, linfoma, com pôde confirmar em 2012 a Associação Brasileira de Saúde Coletiva”, segundo a carta.
A nutricionista Sueli Couto, do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e participante da Campanha, diz que quase dois terços dos alimentos consumidos pelos brasileiros contêm resíduos de agrotóxicos. “Dos tipos de câncer, 40% podem ser prevenidos”, indica ao explicar que “o trabalho do Inca é promover uma alimentação saudável. E alimentação saudável é produzida pelo pequeno agricultor”.
André Burigo, da Fundação Fiocruz, que também apoia a Campanha, ressaltou que desde 2008 o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. A Basf “tentará se aproveitar de um samba para criar uma imagem indireta unida à biodiversidade. Mas agrotóxico não combina com biodiversidade”, afirmou Burigo no comunicado. Envolverde/IPS