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Os jovens espanhóis não partem, são buscados

Em Málaga, no dia 10, participantes de uma das manifestações espanholas contra o desemprego e os cortes. Foto: Cortesia de CCOO

Málaga, Espanha, 12/3/2013 – “Queriam me contratar, e isto era algo que nunca me acontecera”, contou Marta Seror, uma espanhola de 25 anos, agora empregada na Polônia em uma empresa de outsourcing e com uma história semelhante à de milhares de jovens que emigram diante da falta de trabalho e expectativas. “Estou há três meses e meio neste país e cada vez vejo mais gente como eu. Sinto que fui praticamente obrigada a tomar a decisão” de aceitar um trabalho fora da Espanha, “sacrificando o bem-estar de permanecer ao lado da família”, disse à IPS. Agora ela ganha mais de 600 euros mensais (US$ 780), “mas é um país barato”, ponderou.

No final de 2012 o desemprego juvenil, daqueles com menos de 25 anos, chegou a 55,13%, o que situou o número de jovens sem trabalho em 930.200, segundo o Instituto Nacional de Estatística da Espanha (INE). O desemprego geral concluiu o ano em 26,02% da população economicamente ativa, o que se traduz em 5,9 milhões de pessoas que querem trabalhar e não podem. “Os cortes em educação, pesquisa e ciência tornaram impossível o desenvolvimento de uma carreira científica na Espanha. Somos obrigados a emigrar”, lamentou David, doutor em biologia de 33 anos, em depoimento por escrito desde a África do Sul para a campanha digital “Não partimos, nos buscam” (nonosvamosnosechan.net), promovida pela organização Juventude Sem Futuro.

A organização foi criada em abril de 2011 pelo Movimento Estudantil de Madri, um dos grupos que convocaram as mobilizações iniciadas em 15 de março desse ano, conhecido como Movimento 15M. A campanha busca denunciar a situação de “exílio forçado” dos jovens espanhóis, dar nomes aos dados estatísticos, bem como tecer redes entre os que estão no país e no exterior, para juntos lutarem para mudar a situação mediante iniciativas específicas. “Estou desejando que a situação mude, embora não confie que isso acontecerá no curto prazo”, afirmou Seror à IPS.

Eduardo González, jornalista de 23 anos e membro da Juventude Sem Futuro, disse à IPS que a diáspora juvenil é forçada pela situação econômica e pela aplicação de políticas de austeridade em setores como educação e saúde. “Por um lado se corta e por outro se resgata os bancos com milhões de euros”, apontou o jovem. A campanha conseguiu reunir em poucos dias quase seis mil histórias de jovens que residem no país e no estrangeiro, acessíveis mediante um clique em pontos amarelos localizados em um mapa mundi.

“Só encontrei emprego como bolsista desde que terminei os estudos”, queixou-se González. Além de denunciar a precariedade do trabalho na Espanha, o jornalista também disse que “a grande maioria” dos jovens tampouco encontra no exterior “o paraíso profissional”, mas ocupações mal pagas ou que não estão de acordo com sua profissão. José é médico e trabalha como garçom e animador turístico na República Dominicana, enquanto Gemma é desenhista e ganha a vida como instrutora de esqui na Islândia, segundo seus testemunhos no site da campanha.

Seror, licenciada em ciências físicas, não duvidou em aceitar um trabalho muito distante de sua profissão na localidade polonesa de Lodz, diante do péssimo cenário trabalhista e “para acabar com a rotina de levantar a cada dia na casa da minha mãe, enviar currículo sem obter resposta e ficar deprimida”, explicou. Agora é executiva de processos da sede polonesa de uma empresa de outsourcing da Índia, contou.

Segundo o INE, o desemprego afeta um pouco menos as mulheres jovens (53,89) do que os homens (56,24). Todos sofrem um drama, acrescentou: a falta de contribuição para o Sistema de Seguridade Social, por isso não contam com compensação para o desemprego, ao contrário de outros grupos etários. O tardio começo em contribuir como empregados e a longa permanência com salário de bolsita ou da economia marginal também são parte dessa realidade.

A organização Juventude Sem futuro convocou para 7 de abril mobilizações em várias cidades espanholas e nas embaixadas da Espanha no exterior. “É hora de organização, tanto das pessoas forçadas a emigrar quanto das que permaneceram”, afirma na internet. No dia 7 o governo do direitista Mariano Rajoy anunciou a criação dos chamados miniempregos, que já funcionam na Alemanha, para incentivar a contratação em tempo parcial com vínculo para a formação de menores de 30 anos. São contratos de trabalho temporários, com no máximo 15 horas semanais e salário mensal em torno dos 400 euros (US$ 520).

Seis em dez jovens espanhóis entre 22 e 30 anos estão a favor dos minitrabalhos, segundo pesquisa da empresa My World divulgada no dia 4 pela emissora de rádio Cadena Ser. “Entre não ter nada e ganhar 400 euros, as pessoas aceitam estes contratos”, justificou González, que não descarta buscar trabalho fora da Espanha quando acabar a bolsa de nove meses com a qual se mantém agora.

Diversas vozes se levantam contra a reforma trabalhista aprovada pelo governo de Rajoy, que permite às pequenas e médias empresas demitir sem nenhuma causa ou indenização durante o primeiro ano de contrato, pois abre as portas para a legalização do emprego precário e temporário. A maioria das pessoas que deu seu depoimento na campanha tem entre 23 e 28 anos, embora “também haja alguns que beiram os 40 anos, porque o problema não é só juvenil. O exílio forçado se estende a toda a população”, apontou González.

Vicente Ortí, jornalista de 45 anos com 25 de experiência na imprensa e na televisão, trabalha na capital dominicana e se mostra muito pessimista sobre o futuro dos jovens profissionais de seu país. “Parti pelo mesmo motivo que leva milhares de pessoas a partirem, a falta de trabalho. A Espanha, profissionalmente falando, está devastada”, afirmou à IPS. Envolverde/IPS