Arquivo

Mesmos controles fronteiriços com matizes

Fronteira entre Bélgica e Alemanha. Foto: Divulgação/ Internet

Varsóvia, Polônia, 3/4/2013 – Cruzar a fronteira entre Bélgica e Alemanha deveria ser uma experiência fluente, sem controles limítrofes, desde que a área de livre circulação de Schengen entrou em vigor. Mas ali também são comuns as checagens de identidade, apesar a intrincada lógica que se aplica para provar sua legalidade. A área de Schengen, incluída em 1997 na estrutura da União Europeia (UE), é considerada um dos maiores êxitos da integração dessa região.

Inclui a maioria dos países do bloco, mais Estados que não são membros, como Noruega, Islândia, Liechtenstein e Suíça, e garante à população o direito de circular livremente dentro desse espaço. Literalmente, significa que não há controles fronteiriços entre esses países. As checagens que acontecem atualmente nestas fronteiras não são precisamente controles fronteiriços, pelo menos de uma perspectiva legal, mas de documentos de identidade que acontecem em áreas próximas às fronteiras de Schengen, às vezes à distância de 500 metros.

Por exemplo, apenas um trem entra na Alemanha procedente de Bélgica, e a polícia alemã pode controlar os documentos de alguns viajantes, que costumam ocupar vagões inteiros. Comumente é um protocolo ao qual os turistas europeus mais espertos já se acostumaram: mostram seu passaporte ou algum documento reconhecível de identificação nacional e seguem adiante. Ocasionalmente, as coisas se complicam: a polícia pode não reconhecer um documento de identidade nacional da Europa oriental, por isso o nome e a data de nascimento têm de ser verificados em sedes policiais. Ou, ainda pior, viajantes sem as identificações necessárias têm que descer do trem.

A Comissão Europeia, órgão executivo da UE, indica que duas características fundamentais distinguem essas checagens dos controles de fronteira. Primeiro, seu espírito: “as medidas policiais podem não ser consideradas equivalentes a checagens fronteiriças, se baseiam em informação e experiência policial, em geral com relação a possíveis ameaças à segurança pública, e buscam, em particular, combater o crime transfronteiriço”. A outra característica é sua execução: não podem ser sistemáticas, mas bem pontuais, e devem estar sujeitas a limitações quanto a frequência e intensidade.

Em resposta à IPS sobre qual a diferença de um e outro controle, o Ministério do Interior da Alemanha informou que “estes interrogatórios policiais não estão associados ao ato de cruzar a fronteira, mas determinados pelo contexto, conhecimento e pela experiência do funcionário que controla, e, particularmente, servem para prevenir e frear as entradas ilegais e, por fim, para combater o tráfico”.

Para o blogueiro político Jon Worth, que escreve sobre a zona de Schengen, há uma diferença mais importante que deveria ser estabelecida entre estes dois tipos de checagem: a natureza dos documentos de identificação que devem ser apresentados. Embora em alguns países seja suficiente apresentar uma licença para dirigir em um controle nacional de identidade, a polícia desses países pode insistir em ver os passaportes perto da fronteira.

A polícia da Suíça, que não integra a UE, pede para ver os passaportes alegando fazer controles aduaneiros, mas não a bagagem ou as quantias de dinheiro dos viajantes. “Os chefes de polícia sabem muito bem que as checagens de documentos nacionais de identidade em áreas de fronteira deveriam ser compatíveis com as de Schengen, mas esta distinção frequentemente se perde para os funcionários que estão no lugar”, explicou Worth à IPS.

Quando a IPS perguntou sobre como a Comissão realiza os controles nacionais de identidade, o escritório da comissária europeia de Assuntos Internos, Cecilia Malmström, explicou que o órgão que integra atualmente investiga, por sua conta ou seguindo queixas de cidadãos, todas as potenciais checagens nacionais equivalentes a controles de fronteira, e pode adotar medidas punitivas se forem necessárias. Além disso, uma proposta da Comissão para atualizar a legislação de Schengen daria ao Executivo da UE os meios para realizar controles mais sistemáticos do comportamento nacional.

A proposta, que ainda deve ser aprovada pelo Parlamento e pelo Conselho, os demais órgãos do bloco, até agora enfrentou resistência de alguns Estados-membros. Por sua vez, Worth se prepara para lançar um site com as experiências de viajantes que parecem ser infrações de Schengen. “A Comissão Europeia está consciente do problema e preocupada com essas infrações, mas no momento carece dos dados que apoiem as denúncias de ilegalidade, bem como da capacidade de realizar checagens minuciosas”, argumentouo.

“Nosso site busca apresentar à Comissão exemplos de onde as checagens de documentos nacionais de identidade possam ser usadas sistematicamente como controles fronteiriços, para que possam ser adequadamente investigadas pelo Executivo europeu. Queremos garantir que as leis da UE sejam corretamente aplicadas”, acrescentou.

Christian Kaunert, especialista em justiça e assuntos internos da UE na britânica Universidade Dundee, explicou que essas checagens nacionais podem ser legais, mas que em todo caso vão contra o espírito de Schengen. “Estes procedimentos não são novos, sempre existiram de uma forma ou outra desde a introdução de Schengen, e é apenas uma das manifestações da dicotomia entre o desejo de maior integração e o de manter a soberania que está no núcleo da UE”, observou.

“Mas o que acontece agora é que algumas destas intervenções contra Schengen ganharam um perfil muito alto e vão fortemente contra o espírito do acordo”, afirmou Kaunert à IPS. “Isto é possível graças ao atual clima político na Europa, onde, devido à crise econômica, o discurso populista contra os imigrantes, que na última década aumentou em muitos países europeus”, está se impondo, acrescentou. Para Kaunert, os controles nacionais são apenas uma das manifestações do atual predomínio das preocupações de segurança na UE em relação a uma maior liberdade e maior integração.

Outro exemplo relevante é o contínuo adiamento da entrada da Romênia e da Bulgária, os membros mais novos da UE, à área de Schengen, apesar de ambos cumprirem todas as condições técnicas para se integrarem. Kaunert destacou que a negativa a que estes países sejam parte de Schengen deve ser visto no contexto do temor de que imigrantes entrando pela Turquia, atualmente bloqueada pela Grécia, possam encontrar novas rotas via Bulgária e Romênia. Envolverde/IPS