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Crise aumenta número de crianças vendedoras nas ruas

A crise do Zimbábue empurra crianças e adolescentes para ganharem a vida nas ruas. Foto: Jeffrey Moyo/ IPS

Harare, Zimbábue, 8/4/2013 – Susan Sithole tem 15 anos e deveria estar na escola aprendendo matemática, inglês e outras matérias. Porém, está nas ruas vendendo cigarros, doces e cartões para telefone celular: uma dura forma de aprender sobre comércio e de sobreviver. Sithole trabalha no centro de Harare, na esquina da avenida Leopold Takawira e a rua Robert Mugabe, e vive no bairro pobre de Machipisa.

Segundo contou à IPS, os US$ 25 que ganha por semana não bastam para viver nem lhe sobra nada para enviar aos seus pais que estão em Chipinge, um distrito a 500 quilômetros da capital. “Meus pais de mandaram com alguns parentes para a capital para fazer algo quando não puderam mais pagar a escola”, contou Sithole.

Assim, em lugar de passar para a nona série, teve que abandonar os estudos e se mudar para Harare. Mas, mesmo que pudesse voltar à escolha, ela ficaria com vergonha de se reintegrar a uma classe na qual seus companheiros teriam, no mínimo, cinco anos a menos.

Segundo estatísticas divulgadas em janeiro pela Coalizão Contra a Corrupção, Sithole está entre os 63 mil menores de 15 anos que trabalham como vendedores, a maioria nas cidades fronteiriças. A quantidade representa um significativo aumento em relação aos 42 mil registrados em 2010 neste país de 13 milhões de habitantes.

A situação está longe de ser resolvida, pois em fevereiro o governo proibiu as operações das organizações não governamentais, o que, segundo várias fontes ouvidas pela IPS, só fará aumentar o número de meninas e meninos nas ruas, pois muitas ONGs pagavam a escola para famílias necessitadas, especialmente nas zonas rurais.

“O governo proibiu as ONGs que pagavam os estudos de menores de baixa renda por suspeitar que tinham fins políticos”, explicou à IPS um funcionário dos Escritórios de Bem-Estar Social da província de Manicaland, que não quis ser identificado. “Muitas crianças não tiveram outra alternativa a não ser vender nas ruas”, disse o funcionário morador em Mutare, capital provincial e terceira maior cidade do país.

O governo da União Nacional Africana do Zimbábue Frente Patriótica (ZANU-PF) proibiu 29 organizações em abril de 2012 com o argumento de que trabalhavam para uma mudança de regime. Funcionários da Associação Nacional de Organizações Não Governamentais (Nango), que pediram para não serem identificados, disseram à IPS que após a proibição muitos pais não puderam mais pagar a matrícula dos filhos, que varia de US$ 30 a US$ 35 por trimestre. Cerca de 850 mil crianças desfavorecidas recebiam apoio de ONGs no ano passado, segundo estas fontes.

Os US$ 30 são uma quantia enorme neste país onde quase metade da população vive com menos de US$ 1,25 por dia, segundo o informe Proteção Social Sensível à Infância, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em 2010. O desemprego afetou 94% da população economicamente ativa em 2009, segundo o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas. A maioria trabalha no setor informal.

“A situação é patética para as crianças que ajudávamos”, disse um membro do capítulo zimbabuense da Action Aid International, que também não quis ter o nome revelado. “Enquanto falava com você, nossa organização recebeu a informação de que mais de dez mil menores abandonaram a escola por não poderem pagar. Esta situação jogará mais crianças na pobreza e na miséria”, acrescentou. O trabalhador social Givemore Zinyoro disse à IPS que a atividade de meninas e meninos vendendo diferentes produtos nas ruas é considerada trabalho infantil, e acusou o governo de negligência para atender o número crescente de casos registrados no país.

“É um reflexo da situação atual da sociedade. A crise econômica e social continua se aprofundando em nosso país”, disse Philip Bohwasi, presidente do Conselho de Trabalhadores Sociais. “Mais de 84% da população não tem emprego, não se trata apenas dos menores vendedores”, ressaltou. “Muitas famílias têm dificuldades para colocar comida na mesa, e todos, inclusive os menores, acordam cedo para fazer algo para ganhar a vida”, acrescentou.

O Zimbábue ainda não se recuperou da profunda crise econômica. Entre 2003 e 2009 sofreu uma das piores hiperinflações do mundo; a inflação anual foi de 231%. Os preços duplicavam diariamente e o Banco da Reserva do Zimbábue foi obrigado a emitir US$ 100 trilhões.

Um alto funcionário do Ministério de Trabalho e Serviços Sociais disse à IPS que o governo não é capaz de combater a crise que afeta os menores pobres do país. O economista John Robertson, da Economic Information Services, disse que a crise econômica do Zimbábue havia diminuído a capacidade do governo para combater o trabalho infantil.

“Sem dinheiro para financiar programas vitais em matéria trabalhista, o governo se encontra em um contexto de esgotamento dos doadores. É necessário recuperar a economia antes de atender o problema do trabalho infantil”, explicou Robertson à IPS. Envolverde/IPS