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Agroexportadores brasileiros alertam que o “apagão logístico” é agora

Rio de Janeiro, Brasil, 9/4/2013 – Edson Godinho, caminhoneiro há 35 anos, teve sorte desta vez. Nos primeiros dias do mês, quando chegou ao porto de Santos, já havia diminuído muito a fila de espera de caminhões. Precisou aguardar 12 horas para descarregar a soja. Nas semanas anteriores, muitos outros caminhoneiros tiveram que esperar mais de 24 horas para ter acesso às instalações portuárias por onde sai a maior parte das exportações agrícolas brasileiras. Durante vários dias o acúmulo de veículos de carga superou os 20 quilômetros.

Os portos são o funil que mais contribui para o “apagão logístico anunciado” para este ano de produção e exportação agrícolas recordes, segundo Marcos Jank, especialista do setor e professor da Universidade de São Paulo (USP). O Brasil duplicou sua produção de grãos no começo deste século, sem melhorar sua logística. As projeções indicam que as exportações de soja e milho crescerão 30% este ano em relação a 2012, alcançando 41 milhões e 25 milhões de toneladas, respectivamente, e dessa forma superando os Estados Unidos.

Essa liderança se estende à própria produção de soja, que chegará a 84 milhões de toneladas este ano, segundo a consultoria Agroconsult. Estes são resultados conjunturais, ajudados pela seca nos Estados Unidos, mas que adiantam uma tendência marcada pela expansão dos cultivos de soja, inclusive em zonas da semiárida região nordeste. O crescimento das vendas externas e as chuvas em excesso que caíram em janeiro retardaram os embarques de milho que, acumulados com os da soja, superlotaram em março os portos de Santos e Paranaguá, os principais do país. Esse gargalo será novamente sentido com as vendas de açúcar a partir deste mês e da nova colheita do milho, em julho, segundo Jank.

Embora este caos não seja novo, agora se agravou. Diante disso, espera-se que sejam aceleradas as mudanças nas normas da atividade portuária, já definidas pelo governo da presidente Dilma Rousseff mas de aprovação incerta no parlamento, onde o projeto já recebeu mais de 600 propostas de emendas. Também são necessários elevados investimentos. Uma “solução definitiva exigirá dez anos”, afirmou Jank à IPS. “Temos uma agricultura do século 21 e uma logística do século 19”, acrescentou.

Segundo Jank, um alívio rápido dos entraves virá com a implantação de hidrovias, o aumento das ferrovias, a pavimentação de estradas para o norte, a ampliação de portos fluviais e marítimos dessa mesma região e dos locais de armazenamento em terminais marítimos do sul. Santos, no Estado de São Paulo, fica a dois mil quilômetros da principal zona produtora de soja, no norte do Mato Grosso. Por seu porto é exportada quase 60% dessa produção, a maior parte levada até ali por caminhões.

O transporte de cada tonelada de soja custa cerca de US$ 70 a mais do que nos Estados Unidos, ressaltam analistas, alertando que é possível aliviar essa drenagem de ganhos retirando a produção pelos portos do norte, mais próximos dos cultivos e dos mercados de destino. O predomínio dos caminhões, que respondem por 60% do transporte de cargas no Brasil, também encarece a logística.

Godinho é um dos cerca de 600 mil caminhoneiros autônomos que percorrem as estradas do Brasil, às vezes em estado precário, sem pavimentação. Em geral, transporta soja e milho das proximidades de onde vive, a cidade paulista de Ituverava, até Santos, 480 quilômetros para o sul, de onde regressa carregando fertilizantes.

Se não houver carga na volta “não compensam” os custos, porque os pedágios somam R$ 580, quase o mesmo que se deve desembolsar para o combustível do caminhão, que pode carregar até 32 toneladas, explicou à IPS, após deixar a soja no porto. A vantagem é que as estradas que percorre, no Estado de São Paulo, são mantidas em boas condições.

“O pedágio e os ladrões” são os piores inimigos dos caminhoneiros, contou Godinho, que não sofreu nenhum assalto nas estradas, “mas muitos amigos foram assaltados”, disse. Aos 57 anos de idade, considera que teve “uma boa vida” em seu trabalho, mas comemora o fato de seus três filhos terem optado por outras profissões. Os portos congestionados são a ponta mais visível, mas a longa cadeia logística compreende muitos outros gargalos.

Volmar Michelon, cofundador da empresa Pedromar Transportes, que conta com 85 veículos e uma centena de empregados, contou à IPS que seu pessoal “espera até 48 horas para descarregar a soja” em Alto Araguaia, na fronteira sudeste do Mato Grosso, onde chegam trens que percorrem 1.420 quilômetros até Santos.

Esse tempo perdido “por falta de infraestrutura de descarga e mais vagões” priva a empresa de outras três viagens do mesmo caminhão no trajeto usual, lamentou Volmar. Nessas ocasiões há milhares de veículos estacionados nas estradas, que acabam servindo como “armazéns”, ressaltou. Não há déficit de caminhões, como avaliam muitos analistas e a imprensa, “mas excesso”, porque são necessários dois ou três veículos para fazer o trabalho de um, devido às demoras nos transbordos e outros obstáculos, pontuou o empresário. Aumentar sua quantidade sem corrigir esses entraves seria obstruir definitivamente as estradas, concluiu.

A Pedromar Transportes nasceu em 1981 no sul do Brasil e acompanhou o desenvolvimento agrícola no centro-oeste. Em 2001, instalou-se em Rondonópolis, centro comercial e industrial no sudeste do Mato Grosso. Seus caminhões operam apenas dentro desse Estado, que se consolidou como o maior produtor de grãos do país.

Entre 1950 e 1980, os governos brasileiros construíram longas estradas, sonhando levar o desenvolvimento agrícola para o oeste e norte do país. Assim, produziram ondas de migrações, desmatamento, malária e conflitos pela posse da terra. Mas o agronegócio, especialmente o da soja, não seguiu exatamente esses grandes eixos viários e agora reclama uma infraestrutura logística que lhe dê acesso menos caro aos seus mercados, sobretudo os externos. Envolverde/IPS