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Sentença a favor da Shell afasta estrangeiros da justiça dos Estados Unidos

Washington, Estados Unidos, 19/4/2013 – A Suprema Corte dos Estados Unidos desconsiderou uma demanda contra a multinacional petroleira anglo-holandesa Royal Dutch Petroleum-Shell apresentada por vítimas de violações de direitos humanos. A sentença é considerada um sério retrocesso para a comunidade ogoni no delta do Níger, que denuncia violações de direitos humanos cometidas em meados dos anos 1990 pela ditadura militar da época.

Além disso, a decisão, basicamente, desvincula o sistema de justiça norte-americano das tentativas de buscar reparações para injustiças supostamente cometidas por empresas multinacionais, especialmente nos países em desenvolvimento. No processo contra a Shell os demandantes a acusam de ser cúmplice de diversos crimes, como torturas, assassinatos extrajudiciais, violações sexuais e crimes contra a humanidade.

Mas a Corte, presidida por John Roberts, concluiu na sentença divulgada no dia 17 que os vínculos da Shell com os Estados Unidos são muito tênues, embora tenha negócios neste país, e por isso a empresa não poderia ser processada sob legislação norte-americana. Os críticos afirmam que foi precisamente para isso que se criou a Alien Tort Statute (lei de reclamação por agravo contra estrangeiros – ATS).

“A sentença é uma verdadeira tragédia”, disse Raha Wala, da organização Human Rights First, com sede em Washington, em entrevista à IPS, após conhecer a decisão do tribunal. “Quer dizer que se fecham as portas para a justiça para uma grande quantidade de estrangeiros que não têm onde mais recorrer para cobrar uma reparação por violações à legislação internacional em matéria de direitos humanos, como a tortura e as execuções sumárias. Creio que a Suprema Corte realmente se equivocou nesta sentença”, lamentou.

Os demandantes denunciam que a comunidade ogoni protestou contra a maciça destruição de seu meio ambiente e a degradação de suas terras derivada da exploração petroleira na região do delta do Níger, e que o exército nigeriano respondeu, entre 1993 e 1994, com campanhas terroristas que incluíram saques, violações sexuais, assassinatos e destruição da propriedade.

Também afirmam que os ataques levaram à execução de um grupo de pessoas conhecido como os Nove de Ogoni. Entre os ativistas assassinados estava o conhecido dramaturgo Ken Saro-Wiwa. Todos foram enforcados após um julgamento militar amplamente condenado e rotulado de ilegítimo.

A comunidade ogoni tinha esperanças de que houvesse justiça ao apresentar uma demanda civil nos Estados Unidos contra a companhia anglo-holandesa, se amparando na lei de reclamação por agravos contra estrangeiros. Durante décadas usou-se essa lei como ferramenta para responsabilizar as pessoas, corporações e governos por violações à legislação internacional em matéria de direitos humanos.

A sentença, após décadas de disputas legais, pode chegar a enfraquecer de maneira irreparável a lei em questão, que tem uma longa trajetória. “Basicamente, o que o tribunal disse é que a ATS, concebida para julgar as violações ao direito internacional e nacional, já não será aplicada fora do território” norte-americano, explicou Wala.

“O que temos aqui são acusações de terríveis atos de violência, como torturas, facilitados por grandes corporações multinacionais na Nigéria e que, basicamente, serão ignorados porque a Suprema Corte fez uma interpretação da lei muito rasa”, acrescentou. Na verdade, Wala destacou que esta sentença vai em sentido contrário ao uso que se fez da ATS durante décadas.

“A interpretação da Suprema Corte é inconsistente com os antecedentes legais de mais de 30 anos”, pontuou Wala. “Todo este tempo a ATS foi usada reiteradamente para levar casos de direitos humanos à justiça federal. Esta decisão é prejudicial às vítimas de violações de direitos humanos”, ressaltou. A sentença sobre este caso é considerada um afastamento da prática judicial em casos de graves violações de direitos humanos, mas Marco Simons, diretor legal da Earth Rights International, disse que ainda não estão fechadas todas as portas para a ATS.

“A partir de agora, se uma multinacional participou de crimes contra a humanidade em outro país, não poderá mais ser processada nos Estados Unidos apenas por ter presença neste país”, disse à IPS. “Não bata o acusado ser uma corporação com negócios nos eu, agora tem que ter um vínculo mais amplo com este país”, destacou Simons.

Mas, a sentença só se aplica aos tribunais federais. Além disso, é importante destacar que os juízes não disseram que as corporações são imunes à ATS, como sugeriram advogados da Shell. “As empresas estrangeiras com negócios nos Estados Unidos ainda podem ser processadas através da ATS por crimes cometidos em outras partes do mundo, mas somente perante a justiça estadual”, explicou Simons.

“Além disso, não sabemos quais outras vinculações poderiam chegar a ser pedidas. Pode significar que somente poderá ser processado um caso contra uma corporação norte-americana ou que, talvez, se exija que a companhia tenha certa atividade nos Estados Unidos, como, por exemplo, que as decisões corporativas sejam tomadas aqui”, afirmou Simons, acrescentando que este assunto será objeto de debates na justiça. Envolverde/IPS