TERRAMÉRICA - O destino do petróleo do Keystone XL

 

Construção do trecho sul do oleoduto Keystone XL em Winnsboro, Texas. Foto: IPS/Photostock

Os investimentos chineses e o traçado do oleoduto Keystone XL colocam em dúvida que o petróleo pesado que transportará beneficiará o mercado energético dos Estados Unidos, afirmam críticos.

Washington, Estados Unidos, 22 de abril de 2013 (Terramérica).- Dois informes apresentados por grupos ambientalistas e de interesse público dos Estados Unidos atacam os motivos centrais para construir o polêmico oleoduto Keystone XL, entre este país e o Canadá. O informe Cooking the Books: How th State Department Analysis Ignores the True Climate Impact of the Keystone XL Pipeline, divulgado no dia 16 por oito prestigiosas organizações ambientalistas, afirma que as autoridades reguladoras dos Estados Unidos subestimaram grosseiramente o impacto ambiental do oleoduto.

A combustão do petróleo pesado que o Keystone XL transportará, segundo o informe, geraria pelo menos de 181 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano, equivalente às emissões de quase 38 milhões de automóveis ou 51 centrais movidas a carvão. O estudo afirma que entre 2015 e 2050 serão geradas 6,34 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, acima de todas as emissões dos Estados Unidos em 2011.

O oleoduto transportará betume diluído, uma forma particularmente suja e corrosiva de petróleo, das areias de alcatrão de Alberta, no oeste do Canadá, até refinarias localizadas nos Estados Unidos, na costa do Golfo do México. Como atravessará fronteiras internacionais, a obra necessita da aprovação do Departamento de Estado norte-americano e que o presidente Barack Obama a declare de interesse nacional.

No começo de março, o Departamento de Estado divulgou uma proposta de avaliação complementar de impacto ambiental (Seis, sigla em inglês), que representa uma cautelosa aprovação do projeto. O documento indica que o oleoduto “provavelmente não causará efeitos ambientais adversos significativos” e que as areias de alcatrão serão extraídas de qualquer forma, com ou sem oleoduto.

Na verdade, trata-se de um sistema de quatro oleodutos, dois já terminados (Keystone Pipeline), outro em construção e o quarto e mais polêmico (Keystone XL) pendente de aprovação. Enquanto a Seis continua aberta a comentários públicos, os que se opõem ao projeto podem se aprofundar no exame do estudo e dos argumentos a favor do oleoduto. No dia 18, o Departamento de Estado realizou a que poderia ser a última audiência pública, em Grand Island, Estado de Nebraska, um dos muitos pelos quais o oleoduto passará.

Centenas de pessoas desafiaram uma tempestade de neve para participar. Para cada uma que se manifestou a favor, havia uma dezena contra. “Na cabeça de uma longa lista de problemas (da Seis) está a simples afirmação de que o Keystone XL não terá nenhum impacto na mudança climática, segundo a crença de que essas emissões serão liberadas independentemente da construção do oleoduto. Isto não é certo”, declarou à imprensa, no dia 16, Steve Kretzmann, principal autor do novo informe e diretor-executivo da Oil Change International.

“Além disso, queimar, ou não, esse petróleo é outro assunto. O Departamento de Estado deve avaliar o impacto climático desse projeto, observando se o Keystone XL sobreviverá às políticas nacionais para limitar o aquecimento global a dois graus, que é o objetivo declarado deste país, e acreditamos que não conseguirá”, ressaltou Kretzmann.

Desde que a empresa canadense TransCanada apresentou, em 2008, a proposta para construir o Keystone XL, os cientistas aperfeiçoaram sua compreensão do que hoje se chama “orçamento de carbono” do mundo: a quantidade de reservas de hidrocarbonos que podem ser queimadas sem comprometer um aumento da temperatura global acima dos dois graus até o final deste século.

Segundo o informe Perspectivas da Energia no Mundo 2012, apresentado em novembro pela Agência Internacional de Energia (AIE), é necessário manter debaixo da terra dois terços das reservas provadas de hidrocarbonos para evitar superar o limite de dois graus. Os especialistas em clima vão além e afirmam que não devem ser explorados até quatro quintos desses recursos.

O Departamento de Estado utiliza projeções que preveem manter como até agora a demanda de petróleo nos Estados Unidos, disse Kretzmann. “Agora sabemos que essas projeções levam a uma mudança entre quatro e seis graus, e isto é um desastre climático. O que deveríamos estar medindo são projeções que levem em conta as tentativas de manter a demanda abaixo dos dois graus. Mas não é isso que o Departamento de Estado está fazendo”, afirmou.

A chancelaria se mostra hermética enquanto conclui a fase de socialização da Seis. Uma de suas funcionárias, Kerri-Ann Jones, disse em Nebraska que já foram recebidos 800 mil comentários públicos. Novas análises sugerem que o projeto pode ter um efeito maior do que o esperado sobre uma questão nacional delicada: o preço do gás e da energia em geral. Os defensores do oleoduto afirmam que fortalecerá a segurança energética do país e ajudará a baixar os preços.

Mas o oleoduto do trecho Keystone XL mostra “claramente que se trata de transportar esse petróleo para o mercado mundial, não para o norte-americano”, apontou ao Terramérica o diretor do Programa de Energia da organização Public Citizen, Tyson Slocum. A própria TransCanada admite que a capacidade atual do oleoduto já é adequada para abastecer de petróleo o mercado dos Estados Unidos, acrescentou.

“Vemos que o preço do petróleo no oeste do Canadá se mantém baixo devido à natureza mediterrânea da região. Não há dúvida de que qualquer investimento para levar esse petróleo ou outro produto refinado a um mercado internacional pressionará os preços para cima. É óbvio que isso não reduz o custo para os consumidores”, ressaltou Slocum.

No dia 15, Slocum divulgou o relatório America Can’t Afford the Keystone Pipeline (Os Estados Unidos não Podem Pagar o Oleoduto Keystone), no qual aponta os investimentos significativos que estão sendo feitos nas areias de Alberta por empresas estatais chinesas, sobre as quais quase não se informa neste país. “A China é o maior investidor estrangeiro nas areias de alcatrão do Canadá, com 52% de todos os investimentos internacionais realizados ali desde 2003”, diz o informe, citando o banco HSBC.

“Os últimos investimentos de seis entidades controladas pelo governo da China gerarão direitos sobre quase 1,1 bilhão de barris diários das areias até 2020”, diz o texto. A China tem todo o direito de levar adiante esses investimentos, mas eles não implicam nenhum avanço para a segurança energética dos Estados Unidos, enfatizou Slocum. Quando terminar o período de 45 dias para apresentação de comentários públicos à Seis, o Departamento de Estado apresentará seu informe final, e ficará nas mãos de Obama a decisão de emitir, ou não, a declaração de interesse nacional. Embora não haja prazo, alguns estimam que o presidente poderia se pronunciar em agosto. Envolverde/Terramérica

* O autor é correspondente da IPS.

 

LINKS

Keystone XL: Um oleoduto até a Europa?

Projeto petroleiro desata desobediência civil nos Estados Unidos

Cooking the Books: How the State Department Analysis Ignores the True Climate Impact of the Keystone XL Pipeline, pdf em inglês

Rascunho da avaliação complementar de impacto ambiental – Departamento de Estado, em inglês

Oil Change International, em inglês

TransCanada, em inglês

Perspectivas da energia no mundo 2012, pdf em espanhol

Public Citizen, em inglês

America Can’t Afford The Keystone Pipeline, pdf em inglês

 

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.