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Espanha muda lei contra despejo para que nada mude

Moradores e ativistas impedem o despejo de uma família marroquina, no dia 24 de outubro de 2012, em Málaga. Foto: Inés Benítez/IPS

Málaga, Espanha, 23/4/2013 – O projeto de lei hipotecária, aprovado pelo Congresso de Deputados da Espanha com os votos do direitista Partido Popular (PP), apenas coloca um curativo no drama dos despejados por prestações não pagas e não garante a proteção das famílias afetadas, afirmam ativistas.

Esta iniciativa, que seguramente o Senado transformará em lei, já que o partido do governo também tem maioria nessa casa, obteve meia sanção depois da sentença de 14 de março do Tribunal de Justiça da União Europeia (UE) contra o procedimento de execução hipotecária vigente na Espanha, entendendo que é contrário às normas do bloco de proteção do direito dos consumidores frente a cláusulas contratuais abusivas.

Assim, a sentença dá poder aos juízes nacionais para suspenderem execuções hipotecárias até a revisão da existência de cláusulas abusivas nos créditos concedidos para esse fim.

Na Espanha, que ostenta a maior taxa de desemprego da UE com 26,02% dos ativos, quem não consegue pagar a hipoteca de sua casa é despejado, tem a propriedade confiscada (que é avaliada pelo próprio banco) e ainda tem de continuar pagando o que resta da dívida contraída mais juros e juros de mora. Nos últimos meses esta situação levou ao suicídio várias pessoas afetadas e despertou a mobilização social.

O texto aprovado no dia 18 pelos deputados aceita a intervenção judicial para estipular a existência de cláusulas abusivas, permite suspender o despejo durante dois anos em determinados casos e limita os juros de mora dos créditos. Contudo, não contém a “dação em pagamento” (entrega do imóvel em troca do cancelamento da dívida) geral e retroativa, uma das demandas básicas da Iniciativa Legislativa Popular (ILP), que com o apoio de um milhão e meio de assinaturas foi admitida para trâmite no Congresso legislativo no dia 12.

“Esta é uma lei para proteger os bancos. Os poderes públicos estão sequestrados”, afirmou à IPS a advogada Sara Vázquez, do capítulo de Málaga da Plataforma de Afetados pela Hipoteca (PAH). Este movimento popular acusa o governo de desvirtuar a ILP, que propunha também a moratória dos despejos e o aluguel social de moradias desocupadas em mãos de entidades financeiras.

O Instituto Nacional de Estatística indica que na Espanha há 3,4 milhões de moradias vazias, quase 14% do parque imobiliário, a maioria propriedade dos bancos. Os despejos somaram cerca de 363 mil entre 2008 e 2012, segundo informe divulgado em janeiro pelo PAH.

A “Proposição de lei de medidas para reforçar a proteção dos devedores hipotecários, reestruturação da dívida e aluguel social” prevê a suspensão das execuções durante dois anos para quem cumprir certos requisitos de vulnerabilidade e obriga os bancos a renegociarem a dívida e aceitar quitar 35% para pagamento em cinco anos e de 20% em dez anos. Vázquez considera que “pagar 65% da dívida em cinco anos a partir da data do leilão é algo inviável para quase todas as famílias afetadas”.

“O PP decepciona e não está à altura da população quando aprova uma lei que desvirtua os enunciados da ILP”, afirmou a uma rádio estatal a porta-voz da PAH em nível nacional, Ada Colau, para quem a norma “exclui a maior parte dos afetados” pelos despejos. Porém, o governo de Mariano Rajoy se manifestou “muito satisfeito”. É uma lei feita “olhando nos olhos de milhares de pessoas”, que agora “verão melhoradas suas condições de vida”, afirmou, após a aprovação pelos deputados, o porta-voz da área de Economia do PP no Congresso de Deputados, Vicente Martínez.

Para Vázquez, os bancos espanhóis “se aproveitam do procedimento de execução hipotecária, que é ilegal segundo a decisão do tribunal europeu”, e o vem sendo “desde 1993, quando foi aprovada a lei da UE de proteção aos consumidores”. Quem pergunta “o que acontece” com as centenas de milhares de famílias despejadas ao longo destes anos sem opção de se defenderem das cláusulas abusivas em seus contratos?, perguntou.

“A maioria das famílias desalojadas na Espanha assinou cláusulas contratuais abusivas”, denunciou Vázquez, falando de uma situação de “inferno” nos julgamentos porque, à luz da sentença europeia, todas as famílias afetadas teriam direito de pedir ressarcimento ao Estado espanhol por danos e prejuízos. Por sua vez, os juízes começam a se coordenar para aplicar os critérios da sentença do Tribunal de Justiça da UE. “Devido à inatividade do governo, os juízes saem na frente dos legisladores”, disse à IPS o advogado José Cosín, ativista do núcleo malaguenho da PAH, que descreve o projeto como “uma gaze sobre uma ferida mortal na veia aorta”.

Assim, os juízes de primeira instância de Málaga acordaram, no dia 19, que frearão os despejos em caso de se detectar abusos. O Poder Judiciário convocou para o dia 8 de maio os magistrados de todo o país para unificarem critérios de aplicação da sentença do tribunal europeu. Entre as cláusulas abusivas às quais se refere essa instância estão os juros de mora de 18%, vencimento antecipado (despejo por não pagar uma ou duas cotas de uma hipoteca de 30 anos, por exemplo) ou a renúncia ao benefício de execução judicial que os avalistas assinavam.

Para incentivar o aluguel de casas desocupadas, o governo da Comunidade Autônoma de Andaluzia, uma das províncias de Málaga, aprovou um decreto-lei no dia 9 que impõe multas a bancos, empresas e particulares que não liberarem unidades vazias para aluguel. A norma também torna possível expropriar por no máximo três anos o uso dos imóveis em processo de despejo no caso de pessoas em emergência social. Andaluzia, governada pelo opositor Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), é a segunda das 17 comunidades autônomas da Espanha em quantidade de despejos, depois de Valencia. Seu desemprego chega a 35,8%, muito maior do que a média nacional. Envolverde/IPS