Arquivo

Investimento dos Estados Unidos paira sobre reservas naturais salvadorenhas

Mauricio Cruz aponta lugares onde se acredita serão instalados projetos turísticos, na zona de Cuche del Monte, à beira do mangue da reserva Baía de Jiquilisco. Foto: Edgardo Ayala/IPS

Jiquilisco, El Salvador, 29/4/2013 – Líderes de comunidades salvadorenhas se opõem aos planos do governo de desenvolver, com fundos de ajuda norte-americanos, a faixa que margeia o Oceano Pacífico, pois entendem que representam uma ameaça para o meio ambiente de uma vasta região.

“Os recursos naturais que protegemos por tanto tempo serão seriamente ameaçados” se os investimentos turísticos chegarem a estas áreas do litoral, como pretende o governo com o programa norte-americano Fundo do Milênio (Fumilênio), disse à IPS o ativista Amílcar Cruz García, secretário da Associação Mangue, de Bajo Lempa, no sul do departamento de Usulután.

A Corporação do Desafio do Milênio (MCC), a agência do governo norte-americano que impulsiona o Fumilênio, escolheu, em dezembro de 2011, El Salvador para conceder um segundo pacote de ajuda não reembolsável, de US$ 277 milhões, para desenvolver a faixa costeira. A aprovação final poderá ficar pronta no final deste ano. O Fumilênio I para este país foi colocado em marcha entre 2007 e 2012, com uma injeção de US$ 460 milhões, investidos na zona norte.

A MCC foi criada em 2004 pelo Congresso dos Estados Unidos para ajudar países pobres a superarem a pobreza. Desde então, destinou US$ 8,4 bilhões em ajuda em todo o mundo, segundo sua página na internet. “Estamos de acordo com as coisas boas que traria o Fumilênio, como escolas, estradas, clínicas médicas, mas nos preocupa o investimento turístico privado”, explicou García.

A Associação Mangue e outras entidades não governamentais trabalham na área do Baixo Lempa desde que essas terras do sul de Usulután foram outorgadas a ex-soldados e ex-guerrilheiros que deixavam as armas em 1992, ao fim da guerra civil que durou 12 anos. Esses terrenos são vizinhos à reserva natural Baía de Jiquilisco, onde essas organizações desenvolvem importantes projetos ambientais e sociais.

Esta baía e o charco de Jaltepeque são o corredor biológico mais importante do país, com extensão de 112.454 hectares. Por sua fragilidade e por ser área de ninhos de espécies em risco de extinção, a baía foi declarada, em outubro de 2005, sítio protegido pela Convenção Relativa aos Mangues de Importância Internacional especialmente como Habitat de Aves Aquáticas (Convênio Ramsar), e a mesma proteção recebeu o charco em fevereiro de 2011.

Autoridades ambientais salvadorenhas afirmaram que 50% das únicas 300 tartarugas carey existentes na costa do Pacífico, que se estende do México ao Peru, fazem ninho nos 37 quilômetros de praia da Baía de Jiquilisco, que em 2007 foi declarada reserva da biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Porém, a declaração de proteção permite nesse lugar a pesca e a extração de produtos do mar, assim como a construção de infraestrutura de acordo com o zoneamento e os objetivos da área, explicou Álvaro Moisés Calderón, diretor-executivo da fundação ecológica Salvanatura. Esse pode ser o resquício legal para a entrada de investimentos turísticos.

No Fumilênio II, o governo de Maurício Funes aposta em elevar a educação e a capacitação dos jovens da região para que possam se inserir nos empregos que seriam gerados pelos investidores privados que chegassem, enquanto se constrói infraestrutura básica, com ruas, água potável e eletricidade.

Contudo, “francamente, estamos vendo isto como uma ameaça”, afirmou Mauricio Cruz, presidente da cooperativa aquícola Sara e Ana, localizada na comunidade Salinas do Potrero, no município de Jiquilisco. Este líder comunitário disse à IPS que os sócios das sete cooperativas do lugar temem que os projetos turísticos provoquem uma contaminação que atinja o charco, cujas águas enchem os tanques onde são criados camarões. “Somos gente bem organizada e não vamos permitir que um hotel enorme se levante prejudicando nossos tanques”, ressaltou.

O governo recebeu até agora 62 projetos de investimento no total de US$ 450 milhões, que estão pendentes de aprovação pela MCC. Entre os consórcios interessados está a Associação de Desenvolvedores e Promotores Turístico-Marinhos (Promar). Seus projetos somam US$ 208 milhões e incluem hotéis de alta categoria e até um aeroporto regional no vizinho departamento de La Unión, entre outros. O presidente da Promar, Marco Guirola, disse à IPS que é compreensível haver desconfiança nas comunidades costeiras, porque historicamente seus habitantes foram marginalizados.

Entretanto, essa visão de fazer negócios violentando o meio ambiente e os habitantes do lugar “já não é mais sustentável, nem mesmo possível, por mais que alguém queira, pois o nível de organização na área é suficiente para gerar as pressões necessárias”, admitiu Guirola. No entanto, argumentou, é possível conciliar um investimento turístico forte mesmo em áreas tão frágeis como uma reserva natural. “Já deixamos de nos opor por esporte”, criticou.

Por sua vez, o ministro de Turismo, José Napoleón Duarte, disse à IPS que não impulsionará nenhum projeto turístico que não cumpra as exigências ambientais mínimas. No entanto, mais alguém deveria auditar esses investimentos, segundo especialistas. Calderón lamentou que nem o governo nem a MCC tenham estabelecido expressamente que os projetos sejam certificados por instituições externas.

Essas certificações, segundo Calderón, são muito mais amplas do que os estudos de impacto ambiental exigidos pela lei salvadorenha, e permitiriam avaliar o projeto em seu conjunto, ambiental e socialmente, sob padrões internacionais. “O Fumilênio deveria ser uma oportunidade para El Salvador, um dos países mais vulneráveis da região aos eventos meteorológicos extremos, se adaptar aos impactos que a mudança climática já está causando”, sugeriu.

O Baixo Lempa sofre em particular esses efeitos, com inundações durante a época chuvosa, que custam muitas vidas e elevada perda de colheita e infraestrutura. “A única garantira de que os investimentos sejam executados protegendo o meio ambiente e respeitando o tecido social da região não são o governo nem os empresários, mas a organização das pessoas”, enfatizou à IPS o especialista Emilo Espín, gerente de relações e gestão da não governamental Associação para o Cooperativismo e o Desenvolvimento Comunitário, com 25 anos de presença na área. Envolverde/IPS