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Enredos institucionais e desindustrialização afetam o Mercosul

Rio de Janeiro, Brasil, 6/5/2013 – O Mercado Comum do Sul (Mercosul) inaugurará em julho sua nova fase, com cinco membros plenos, caso supere a bagunça gerada com a incorporação da Venezuela, mas seus problemas de fundo continuarão travando a integração. Há um “vazio jurídico” diante da possibilidade do retorno do Paraguai como sócio de pleno direito do Mercosul, junto aos outros sócios fundadores, Brasil, Argentina e Uruguai, afirmou Tullo Vigévani, professor de ciências políticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), especializado em relações internacionais.

A adesão plena da Venezuela ao bloco foi aprovada na cúpula de 29 de junho de 2012, aproveitando a ausência do Paraguai, suspenso nessa mesma reunião em razão do golpe parlamentar daquele mês contra o então presidente Fernando Lugo. Esse julgamento político sumário, sem tempo para o direito à defesa, foi considerado como violação à cláusula democrática.

O Senado paraguaio, único corpo legislativo do bloco que havia congelado a ratificação de adesão assinada em 2006 pela Venezuela, acabou por rejeitá-la em agosto, uma votação mais simbólica do que efetiva. A solução para este enredo institucional provavelmente será “um acordo político” até agosto, quando tomar posse o presidente eleito do Paraguai, o empresário Horacio Cartes, já que os interesses econômicos dão um forte poder de pressão a Buenos Aires e Brasília sobre Assunção, ponderou Vigévani à IPS.

O novo governo, que representa o retorno da direitista Associação Nacional Republicana, conhecida como Partido Colorado, conseguiria que o parlamento ratificasse finalmente a entrada da Venezuela, fato que agrega ao bloco novas incertezas devido às dificuldades econômicas deste último país, agora sem a liderança de Hugo Chávez, falecido em 5 de março e sucedido por Nicolás Maduro.

No entanto, o Mercosul claudica principalmente pelas “conflitivas relações” entre Argentina e Brasil, os sócios fundamentais enfrentados em diferentes processos de industrialização, segundo análise do professor da Unesp. A Argentina perdeu boa parte de suas indústrias em um longo processo iniciado nos anos 1970, recordou. Políticas privatizadoras e de abertura de fronteiras adotadas em diferentes períodos, como na última ditadura (1976-1983) e no governo de Carlos Menen (1989-1999), levaram ao desastre.

O problema é que esse país agora tenta uma “reindustrialização à antiga”, protegendo setores pouco competitivos, sem as inovações tecnológicas que apontem para um futuro sustentável, embora se compreenda a pressão pela geração de empregos, criticou Vigévani. Nesse quadro, as disputas com o Brasil se repetem desde a criação do Mercosul, em 1991, como no caso da tentativa de criar um espaço comum de livre circulação de bens e pessoas, que em alguns momentos foi discutido, com metas ambiciosas como a harmonização macroeconômica, cadeias produtivas e moeda comum, que se revelaram irreais.

O dinamismo comercial entre os dois países parece ter alcançado seu limite em 2011, quando o Brasil exportou US$ 22,709 bilhões para a Argentina e dela importou US$ 16,906 bilhões, segundo dados oficiais brasileiros. Este balanço culmina um desequilíbrio iniciado em 2004. O intercâmbio bilateral aumentou 13 vezes desde a assinatura do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul. No ano passado, as vendas brasileiras caíram 20,75%, enquanto as argentinas baixaram apenas 2,73%. Desde outubro, a balança comercial se inclinou ligeiramente a favor de Buenos Aires.

Também as relações bilaterais sofreram pela fuga de grandes investimentos brasileiros do país vizinho. A Petrobras deixou o mercado argentino onde havia adquirido uma importante rede de distribuição de combustíveis, enquanto a gigante da mineração Vale, privatizada em 1997, suspendeu seu projeto de extração de potássio no Rio Colorado, despertando iradas reações em Buenos Aires.

O Brasil também entrou em um processo de desindustrialização, embora mais recente e menos dramático do que o sofrido pela Argentina no passado. Por isso tenta defender alguns segmentos industriais com medidas como altas tarifas alfandegárias, exigência de conteúdo nacional mínimo nas compras governamentais, redução de impostos e do custo da energia, como um importante elemento para sustentar a conjuntura de quase pleno emprego, graças à rápida expansão dos setores de serviços, agricultura e construção.

No entanto, essa indústria que Brasília procura preservar está “atrasada”, com predomínio da área metalmecânica e escassa participação dos setores de maior inovação tecnológica, como o eletrônico e o químico, explicou Júlio de Almeida, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Com o auge do fenômeno chinês na economia mundial, no Brasil acentuou-se a perda de participação da indústria no produto interno bruto e nas exportações.

Este problema, porém, é enfrentado em todo o Mercosul, que se consolida como exportador de produtos primários e importador de manufaturados. O desafio do bloco é desenvolver “políticas que fortaleçam seus processos de inovação e capacitação competitiva, em uma produção que incorpore tecnologias”, pontuou Vigévani, em um diagnóstico que a cada dia obtém mais consenso, mas sem soluções viáveis e visíveis no curto prazo.

Assim, a plena incorporação da Venezuela ao Mercosul não melhora tais perspectivas. Com um comércio exterior muito mais desbalanceado, exportando petróleo e necessitando todo o restante do exterior, o mercado desse país já é um grande comprador de alimentos e bens industriais da Argentina e do Brasil. Por exemplo, o Brasil exportou para a Venezuela, em 2012, US$ 5,056 bilhões e só importou US$ 997 milhões, segundo estatísticas brasileiras. Os investimentos do país na Venezuela, além disso, estão em retrocesso, com suspensão das atividades por várias empresas.

As empresas brasileiras só realizaram quatro operações de investimento nesse país nos últimos cinco anos, contra 20 na Colômbia, 19 no Chile e oito no Peru, segundo o banco de dados do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), do Rio de Janeiro. Com a deterioração econômica a ser enfrentada por Maduro, aumentam as incertezas sobre os efeitos da presença do quinto sócio pleno no Mercosul.

A negociação de um acordo comercial com a União Europeia (UE), que voltou à mesa, tampouco aponta muitos benefícios, já que se trata basicamente de abrir esse mercado aos produtos agropecuários do Mercosul, como contrapartida para melhor acesso da indústria e dos serviços do bloco europeu às duas maiores economias sul-americanas, o que agravaria os problemas. Além disso, a severa crise econômico-financeira que a UE enfrenta limita as possíveis ambições de tal negociação. Envolverde/IPS