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Situação de xiitas piorou no Egito de Morsi

Mulheres na porta da mesquita de Sayeda Zeinab, no Cairo, à qual comparecem tanto sunitas quanto xiitas. Foto: Cam McGrath/IPS

Cairo, Egito, 6/5/2013 – A multidão que cercou a casa de Mohammad Nour, um xiita egípcio radicado no distrito de Bab El-Shaariya, no Cairo, gritava que tinha a missão de vacinar o Egito contra as crenças religiosas dessa seita islâmica. Sem intervenção, a doutrina se propagará pelo Egito “como um câncer”, alertaram. Nour era um muçulmano sunita de nascimento, que se converteu ao xiismo há quase duas décadas. Desde que seus vizinhos ficaram sabendo, no começo do ano passado, enfrentou constantes ameaças e hostilidades.

“Meus vizinhos já não conversam comigo e tentam fazer com que me mude daqui. As pessoas atiram pedras contra minha casa, me ameaçam por telefone e incendeiam meu carro. Preocupa a segurança da minha família”, contou. A divisão entre sunitas e xiitas remonta à morte do profeta Maomé, em 632, mas a hostilidade contra a minoria xiita no Egito está firmemente arraigada na política moderna. Durante seus 29 anos no poder, o ex-presidente Hosni Mubarak expressou ódio visceral contra o Irã, orquestrando sua política externa para conter a “maré xiita”, na crença de que o Irã exportava este ramo do Islã para expandir sua influência política no mundo árabe.

A animosidade entre Egito, predominantemente sunita, e Irã, dominado pelos xiitas, data dos primeiros dias da Revolução Islâmica de 1979 neste último. Os dois países cortaram relações diplomáticas depois que o ex-presidente egípcio Anwar Sadat assinou um acordo de paz com Israel e concedeu asilo ao xá do Irã, Reza Pahlevi. “O regime de Mubarak olhava com profundas suspeitas para sua minoria xiita”, disse Ishaak Ibrahim, pesquisador de direitos religiosos na Iniciativa Egípcia para os Direitos Pessoais.

“Presumia que todos os xiitas eram leais ao Irã, controlava de perto suas atividades e os impedia de se reunirem. Muitos xiitas foram presos sob acusação de falsidades”, contou Ibrahim, acrescentando que a queda de Mubarak, em 2011, abriu uma pequena janela para os xiitas do Egito, cujos membros, estima-se, oscilem entre 800 mil e dois milhões. Mas a janela se fechou repentinamente, e a situação piorou desde que, no ano passado, chegou ao poder o governo islâmico do presidente Mohammad Morsi.

O Estado continua aplicando medidas discriminatórias contra os xiitas, enquanto deixa a comunidade exposta ao crescente perigo do extremismo salafista, disse Ahmad Rasem El-Nafis, destacado erudita xiita. “É muito pior agora, no governo Morsi, porque não há segurança”, pontuou à IPS. “Os salafistas estão espalhando mentiras sobre nós e cometendo crimes contra nós com impunidade. Em julho de 2011, fui vítima de um atentado, e recebo ameaças quase diariamente”, enfatizou.

O salafismo, uma seita sunita radical influenciada pelo wahhabismo (movimento religioso ultraconservador muçulmano) saudita, foi empurrado para a clandestinidade pelo regime autoritário de Mubarak. Desde a revolução de 2011, seus integrantes se organizaram politicamente, e procuraram e receberam mais de um quarto dos votos nas eleições parlamentares do ano passado, sendo superados apenas pela Irmandade Muçulmana.

O Islã xiita tem um longo histórico no Egito. Cairo foi fundada em 969 pela dinastia xiita Fatimí, que governou o Egito durante 200 anos e modelou sua identidade. Inclusive atualmente, os sunitas egípcios visitam reverenciados santuários xiitas, como El-Hussein e Sayeda Zeinab, e incorporam naturalmente práticas xiitas às suas tradições e aos seus ritos funerários. “Não se pode distinguir rapidamente os sunitas dos xiitas por seu comportamento”, afirmou El-Nafis. “As diferenças entre as duas seitas islâmicas são fabricadas e exageradas por motivos puramente políticos”, ressaltou.

Para evitar as perseguições, muitos xiitas praticam sua fé sob o guarda-chuva do sufismo, uma variedade mística do Islã que compartilha a veneração xiita pelos Ahl Al-Beyt, a família do profeta Maomé. “Nós, xiitas, ainda não podemos nos reunir abertamente como grupo”, contou El-Nafis. “Se eu visito um xiita em sua casa, os salafistas dirão que estamos fazendo uma ‘hussineya’ (casa de rezas xiitas), e se vou a uma mesquita com outro xiita, seguramente seremos hostilizados”, explicou.

Em dezembro de 2011, as forças de segurança impediram que centenas de xiitas assistissem as celebrações religiosas de Ashura, na mesquita de El-Hussein, local sagrado para estes fiéis no Cairo. A polícia retirou à força da mesquita só fiéis xiitas, depois que grupos salafistas os acusaram de praticar ritos “brutais”. E, mesmo quando estão sozinhos, os xiitas enfrentam a intolerância e um sistema legal que, segundo organizações de direitos humanos, viola os princípios da liberdade religiosa.

Em julho de 2012, um tribunal condenou Mohammad Asfour, um egípcio xiita convertido, a um ano de prisão por “profanar um lugar de culto” e “insultar os discípulos do profeta”. Os promotores disseram que Asfour foi pego colocando uma pedra debaixo de sua cabeça enquanto rezava na mesquita de uma aldeia, prática malv ista pelos muçulmanos xiitas. A prisão ocorreu após três semanas de abusos, depois que os aldeões souberam que Asfour havia se convertido ao Islã xiita. Sua conversão provocou a hostilidade de vizinhos e familiares de sua esposa sunita, que o pressionaram para se divorciar.

“O Egito é um país sunita e devemos proteger a sociedade da influência xiita”, afirmou Khaled Fahmi, comerciante têxtil de Cairo que acusa o Irã de “usar agentes pagos” para realizarem proselitismo. “Os egípcios pobres e analfabetos são facilmente enganados por suas mentiras”, argumentou. Como muitos egípcios sunitas, Fahmi está indignado com a vacilante abertura do governo quanto a aproximar-se do Irã.

Morsi enfrentou duras críticas dentro de seu país por ter participado, em agosto do ano passado, de uma cúpula regional em Teerã. Seu colega iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, quando visitou Cairo em fevereiro, foi humilhado, quando sapatos foram atirados em sua direção.

No começo deste mês um grupo de manifestantes, principalmente salafistas, cercou a casa do encarregado de negócios no Cairo para protestar contra um novo protocolo de intercâmbio turístico, pelo qual viajantes iranianos chegaram ao Egito pela primeira vez em 30 anos. A violenta reação levou o governo a suspender qualquer outra visita turística. Envolverde/IPS