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O Hamás islamiza Gaza aos poucos

Meninas e meninos acima de nove anos deverão estar em salas de aula separadas. Foto: Mohammed Omer/IPS

Ramalá, Palestina, 7/5/2013 – A Autoridade Nacional Palestina (ANP), com sede nesta cidade da Cisjordânia, acusa o Movimento de Resistência Islâmica (Hamás) de islamizar o território palestino de Gaza e convertê-lo em um bairro da Irmandade Muçulmana. No começo deste ano, o Hamás lançou uma “campanha de virtude” para difundir a shariá (lei islâmica) e lutar contra “o comportamento e vestimenta ocidental”.

Em razão de uma lei aprovada há pouco em Gaza, quando começar o novo ano letivo, em setembro, será ilegal professores homens ensinarem em escolas femininas. Além disso, meninas e meninos acima de nove anos deverão estudar em salas separadas, inclusive nas instituições privadas e cristãs que têm ensino misto.

A lei afetará 7% das escolas que são privadas em Gaza, entre elas as cristãs. Estas serão obrigadas a buscar dinheiro para ampliar suas instalações e separar os alunos por gênero. O território costeiro tem 690 escolas com 466 mil estudantes, em uma população de 1,7 milhão de habitantes.

Outro artigo da lei regula as relações entre as instituições educacionais palestinas e Israel, proibindo as escolas de receberem ajuda destinada a incentivar ou promover a normalização das relações com o Estado judeu. Esta última determinação, que limita as liberdades civis, faz parte de uma campanha que proibiu as mulheres de andarem na parte de trás das motocicletas, uma forma de transporte comum devido à escassez de combustível.

Elas também estão proibidas de fumar narguilé, em público, e casais que circulam nas vias públicas são interrogados por membros da segurança do Hamás. Além disso, os cabeleireiros foram proibidos de pentear e cortar o cabelo das mulheres. Também está proibido que as corredoras participem da maratona organizada pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (Unrwa) em Gaza. Por isso a prova foi suspensa nesse território e, por fim, aconteceu na Cisjordânia, com a participação de competidores de vários países e mulheres palestinas.

Na Cisjordânia não há lei separando meninos e meninas nas escolas. Mas, salvo pelas instituições privadas e cristãs, o ensino secundário está dividido por gênero.

Entretanto, a possibilidade de escolher é um assunto importante para muitos palestinos, e a lei aprovada pelo Hamás sobre “como ser um bom muçulmano” é entendida como a aplicação de sua agenda política. “É ridículo. O que tem de errado meninos e meninas aprenderem juntos?”, perguntou Rana Atta, do Comitê Técnico de Assuntos de Mulheres (WATC), com sede em Ramalá. “Como muçulmana e mãe quero poder escolher se mando meus filhos para uma escola mista ou uma que separe os alunos por sexo”, argumentou.

Atta, que usa véu, disse que a lei viola os direitos humanos e atenta contra o espírito da educação, que é promover a igualdade de gênero e uma sociedade inclusiva que represente a todos. “É ilógico professores não poderem ensinar as meninas. Assim como os homens devem estar expostos às professoras como parte integral de nossa sociedade, elas devem estar expostas aos professores. Duvido seriamente dos antecedentes educacionais de quem aprova estas leis em Gaza”, afirmou.

O Centro de Consultoria e Investigação Legal de Mulheres condenou publicamente a lei como “discriminação de gênero”, em um comunicado divulgado em Gaza. Quando o Hamás assumiu o controle de Gaza pela força, em junho de 2007, após vencer as eleições legislativas de janeiro de 2006, prometeu respeitar as liberdades civis dos moradores de Gaza. Contudo, é uma promessa que não cumpre.

“O Hamás realiza um processo lento de islamização de Gaza, que, por um lado, não é constitucional e, por outro, não é popular entre as os habitantes de Gaza”, destacou Samir Awad, especialista político da Universidade Birzeit, perto desta cidade jordaniana. “Inclusive ameaçou um participante palestino do Arab Idol (popular programa de televisão com cantores dos países árabes) com ações legais, sob acusação de comportamento ilegal e imoral”, contou Awad à IPS.

“A draconiana lei do Hamás não se justifica nem pela Constituição nem pela população palestina. Os últimos acontecimentos aumentaram a divisão política entre Cisjordânia e Gaza”, lamentou Awad. “As escolas de Gaza existem desde muito antes do Hamás e continuarão existindo depois dele. Os palestinos reiteram que pretendem sua autodeterminação, e isso também se aplica aos moradores de Gaza”, destacou o especialista. Envolverde/IPS