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População síria aterrorizada com ataques contra hospitais

Crianças aprendem a sobreviver em um acampamento de refugiados no norte do Líbano. Foto: Zak Brophy/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 15/5/2013 – Organizações de ajuda norte-americanas alertam para os ataques deliberados contra o sistema de saúde da Síria que, entre outras coisas, dificultam a atenção com a crise humanitária causada pela guerra civil nesse país do Oriente Médio.

Em uma reunião com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, David Cameron, ressaltou a centralidade da crise sanitária que se registra na Síria e também a necessidade de “atender lesões por traumatismos, ajudar na recuperação de vítimas de torturas e conseguir que as famílias tenham água potável”. A ajuda sanitária enfrenta obstáculos significativos, pois foi desmantelado, em grande parte, o sistema de saúde pública sírio.

“A sistematização de ataques na Síria, certamente contribuiu para isso”, explicou Stephen Cornish, diretor-executivo da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Canadá, durante um painel sobre o tema realizado em Washington. Essa situação “provocou a mudança de pessoal médico, destruiu um grande número de hospitais e interrompeu o serviço de saúde pública de forma significativa”, ressaltou.

O não governamental Centro de Documentação de Violações, com sede em Damasco, garante que há 469 trabalhadores da saúde presos na Síria. Tom Bollyky, do Conselho de Relações Estrangeiras, um grupo de estudo com sede em Washington, estima que cerca de 30 mil médicos abandonaram esse país, e opinou que esse tipo de ataque é a manifestação de uma tendência perturbadora mais geral, que cada vez mais tem os centros de saúde como alvos de ataques em zonas de conflito.

Em um informe de março, a Comissão Internacional Independente de Investigação sobre a República Árabe da Síria acusa o regime de Assad e a oposição de apontarem de forma estratégica contra as instalações médicas e o pessoal sanitário. Bollyky disse à IPS que “atacar pessoal médico é uma forma de aterrorizar a população e de privá-la do apoio humanitário que necessitam”.

Bollyky também citou outras ocorrências no Oriente Médio e na Ásia, especialmente os ataques coordenados pelo movimento islâmico Talibã contra o pessoal voluntário que realiza a vacinação contra a poliomielite no Afeganistão e no Paquistão. No dia 13, o Talibã anunciou que punha fim aos seus vários anos de sabotagem contra a campanha de vacinação nesses dois países.

Este tipo de ação está especificamente proibida nas convenções de Genebra, pelas quais é obrigatória a proteção de hospitais e pessoal sanitário do fogo hostil. “O pessoal médico está totalmente protegido pelo direito internacional. Não há circunstâncias em que seja certo atacar instalações ou trabalhadores da saúde e, naturalmente, isso ocorre nos dois lados”,  Bollyky.

Os ataques contra o sistema de saúde da Síria, além de deixarem os feridos em combate sem os necessários cuidados de urgência, também exacerbaram uma crise de saúde gerada pelas más condições de vida nos acampamentos de refugiados fora do país. Há um milhão de refugiados sírios, e a Organização das Nações Unidas alertou que esse número poderá chegar a 1,5 milhão de pessoas até o final deste ano. E esta quantidade é pouca, comparada com os mais de 4,2 milhões de refugiados dentro do país. Além dos ataques, os centros de assistência muitas vezes são utilizados com fins militares.

Zahir Sahlul, da Sociedade Médica Norte-Americana Síria, contou, em uma conferência, no dia 10, sobre o saque dos dois principais hospitais de Aleppo, um oftalmológico e outro infantil, que agora funcionam como base de operações para batalhões militares. “Além disso, não há sistema de encanamento. Há falta de higiene porque não tem energia elétrica e às vezes nem água, e existe escassez de óleo combustível. Isto fez ressurgir epidemias que não existiam antes”, acrescentou.

Doenças crônicas que eram relativamente fáceis de tratar antes do conflito, como diabete ou pressão alta, causam mais mortes, o que Cornish chamou de “vítimas silenciosas”. Estes pacientes não podem ser enviados para o exterior por não serem casos de emergência, e não recebem tratamento na Síria porque as instalações e o pessoal necessários já não existem.

“Há pessoas com câncer que tiveram de interromper a quimioterapia e só o que podem receber são medicamentos paliativos”, detalhou Cornish. “Pouco a pouco, dia a dia, morrem”, acrescentou. Os trabalhadores da saúde estão cada vez menos preparados para atender esses problemas, pois suas capacidades vão se debilitando devido às suspeitas sobre sua lealdade. “Na Síria, um médico que atende pacientes do outro lado coloca a própria vida em risco”, pontuou Sahlul.

Enquanto organizações humanitárias tentam encontrar soluções para os desafios da assistência médica, numerosos observadores concordam que se deve apelar à comunidade internacional para que redobre os esforços e pressione os dois lados para que acabem com os ataques contra hospitais e o pessoal médico, e tenham mais respeito pelos padrões humanitários internacionais.

A organização não governamental Geneva Call, dedicada a envolver atores não estatais em questões de direito humanitário, produziu vários vídeos curtos para promover o respeito aos padrões internacionais. Um deles tem o título de Respeito e proteção de objetos e pessoal médico.

Para Bollyky seria um avanço na direção correta tratar as violações do direito humanitário com maior seriedade no Tribunal Penal Internacional e reconhecer a responsabilidade da comunidade internacional em combatê-las. “Houve uma explosão desse tipo de ataque, não havendo condenações contra as pessoas que estão por trás deles. O sistema legal internacional não é conhecido precisamente por sua rapidez, mas seria uma forma de condenação real”, ressaltou. Envolverde/IPS