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Níger se esforça para educar as meninas

Entre 2010 e 2011, a proporção geral de matrículas de meninas nas escolas de Níger aumentou de 29% para 63%, segundo o Ministério da Educação. Foto: Alessandro Vannucci/CC BY 2.0

Niamey, Níger, 22/5/2013 – Há uma década, menos de um terço das meninas de Níger em idade escolar frequentavam as aulas. Atualmente, embora persista uma significativa oposição cultural e religiosa, quase dois terços delas estão matriculadas em estabelecimentos de ensino. “Em 2003, tínhamos apenas 15 meninas na minha escola, de 150 estudantes. Agora temos 103 de um total de 175 alunos”, contou Ibrahim Sani, que durante 17 anos deu aula no povoado de Agadez, no norte deste país do ocidente africano.

Esta história se repete em outras regiões do Níger. Salouhou Adou, professor em uma aldeia nos arredores de Tahoua, capital da região de mesmo nome, disse à IPS: “quando vim para Kollama, em 2003, havia apenas 29 meninas entre 113 alunos. Hoje, a quantidade delas triplicou, e são 87 em um total de 137 estudantes”. A proporção de matrículas femininas em Tahoua mais do que duplicou, passando de 21%, em 2001, para 45%, em 2011, segundo a direção regional de ensino primário. Entre 2001 e 2011, a proporção geral de matrículas de meninas nas escolas do país aumentou de 29% para 63%, segundo o Ministério da Educação.

Esta drástica melhoria se deve aos esforços combinados de autoridades administrativas e tradicionais, professores, pais e sociedade civil, para conscientizar sobre a importância de educar as meninas. “Nossa intervenção conseguiu reduzir o desequilíbrio de gênero em termos de matrículas em nossa área”, disse Hadiza Moussa, professora em Téssaoua, sul do país, onde os dados oficiais também indicam aumento nas matrículas das meninas. Estas representaram 45% dos estudantes em 2012, contra apenas 21% em 2001.

Casamentos e batizados são cerimônias que os ativistas usam com frequência para conscientizar sobre a educação feminina. Mas alguns cidadãos comuns o fazem por conta própria. “Fui de porta em porta para falar às famílias que eram contra a educação para suas filhas”, explicou à IPS o comerciante Maman Zakari, de 60 anos, na localidade de Maradi. “Eu fui contra meninas na escola. Mas pude entender a importância de serem educadas mediante campanhas de conscientização e programas de rádio”, admitiu. Ele matriculou duas de suas cinco filhas.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) também apoia vários incentivos. “Os professores de áreas rurais que participam destas campanhas recebem apoio material desta agência, além de seus salários”, disse à IPS Kadri Yacouba, diretor de escolas primárias em Maradi. “E as mulheres que enviam suas filhas à escola recebem dinheiro para iniciar pequenos negócios”, acrescentou.

Apesar do aumento das matrículas femininas nas escolas, ainda há uma grande brecha entre meninos e meninas nesse sentido. Entre 2001 e 2011, as dos meninos aumentaram de 36% para 86%. Essa brecha se explica pelo fato de, nas áreas rurais, muitas famílias não enviarem suas filhas à escola devido a crenças sociais e culturais. “Há muitos pais que pensam que a escola é um fator desestabilizador para as meninas. Para eles, o destino de uma menina é ser boa esposa e boa mãe”, disse à IPS o inspetor escolar aposentado Aboubabcar Amadou.

Tanto em áreas urbanas quanto rurais, os pais costumam tirar suas filhas da escola para forçá-las a casar. “Mesmo nas famílias onde elas frequentam as aulas, os pais estão mais interessados na educação dos varões. Ir buscar água, lavar a roupa e cozinhar ainda são tarefas que fazem a vida cotidiana das meninas menores”, disse Nana Hadiza, integrante de uma coalizão de organizações da sociedade civil que trabalha pelo acesso universal à educação.

A campanha sofreu um revés em novembro de 2012, quando o projeto de lei que buscava manter as meninas nas escolas enfrentou a forte oposição de clérigos muçulmanos e associações de mulheres da mesma fé. Estes grupos pressionaram os legisladores para não aprovarem a lei e a devolverem para avaliação. O motivo foi o Artigo 14, pelo qual toda pessoa presente ao casamento de uma menina em idade escolar sem aprovação de um juiz seria passível de sofrer condenação entre seis meses e dois anos de prisão, além de multa entre US$ 1 mil e US$ 2 mil, ou as duas punições.

De acordo com as associações muçulmanas, isto não é aceitável em um país como Níger, onde cerca de 99% da população é islâmica. “O Islã dá aos pais todos os direitos e a autoridade sobre seus filhos. Um pai não precisa de autorização do juiz para entregar sua filha em casamento”, argumentou Malam Abdou Garba, um pregador de Niamey.

“É necessário modificar o projeto de lei para tirar tudo o que não esteja de acordo com o Islã. Estes artigos podem levar as jovens a se insubordinarem e desobedecerem os pais, e isso pode fazer com que muitos deles se neguem a matricular suas filhas nas escolas”, pontuou à IPS Mamane Sani, da Associação Nigeriana pela Defesa dos Direitos Humanos. Porém, Hadiza Saley, da campanha Podemos, um movimento de associações femininas em Níger que combate a violência e a discriminação contra as mulheres, pediu uma legislação de maior alcance. É necessário “incluir todas as meninas”, opinou. Envolverde/IPS